Se Vitalina não tivesse nascido no Brasil, certamente teria nascido no México. Disso eu tenho certeza! As evidências eram gritantes: como qualquer mexicana, Vitalina não cozinhava nem comia sem pimenta; amava (para desconsolo do refinamento de minhas tias) flores enormes, coloridas, e de preferência de papel; pintava as paredes da casa com cores que certamente o "bom-gosto" não aprovaria; cobria os móveis com paninhos que iam do rosa ao abóbora; não chamava a morte de "Chorona" , mas tinha com ela a mesma intimidade que os mexicanos...
Morte e Vida eram, para ela, a mesmíssima coisa: uma bênção a ser exaltada, proclamada e juramentada. Para ela, nascimentos e falecimentos eram motivos de festa e comilanças. Como uma antiga sacerdotisa asteca que acolhia as plumas ricas, as pedras preciosas (era assim que os astecas denominavam os recém-nascidos), com reverência e no quinto dia as banhava no temazcalli (banho de vapor) para depois entregá-las às mãos de um sacerdote que vinha benzê-las e aspergi-las com um pouco de água consagrada, Vitalina acolhia todas as crianças da família. Não sei se por ser rezadeira de "alma e coração", como ela mesma dizia, ou por não ter sido feliz com seus maridos (Vitalina casou muitas vezes), eliminou a presença do sacerdote e elegeu Luiza, minha bisavó, como benzedeira oficial dos rebentos. Luiza, que das festas amava os doces e as danças, aceitou o cargo com gosto e água na boca.
texto extraído de meu livro Guadalupe e as Bruxas, editado pela Editora Planeta e
um dos livros que mais gostei de escrever
quarta-feira, 5 de março de 2008
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