terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Freud, a Mortíssima & Eu

A Mortíssima bem que podia ter me avisado que levaria Maria Luiza em pleno sono. Mas não, preferiu se fazer de sonsa e não avisou. Fingiu despreocupação supérfula e optou por perguntar pelo capítulo da novela que perdera na véspera. "Dia afobado. Andei tanto que estou cheia de bolhas nos pés," ela disse, exibindo os pés descarnados. Como se bolhas brotassem de ossos...
Fingindo não dar atenção ao meu desconforto, acomodou-se de crânio e ossos na poltrona mais confortável da sala. "Morreu tranquila... sonhando com seu pai," disse enquanto escorregava um biscoito pela boca escancarada, sem goela. O que sabia ela de sonhos? Atarefada pelo ofício de recolher almas - e corpos - , a Mortíssima mal diferia de um gerente de banco ou de um burocrata que sorri para rostos sem faces. Que pelo menos ela não tenha sorrido quando estendeu as mãos ossudas para minha mãe... Que tenha tido a gentileza de esperar o final do sonho...

Alheia aos pensamentos que revolviam meu cérebro como larvas de bicheira de cavalo que perfuravam toda a massa encefálica até torná-la fluida, impalpável enxaqueca, a Ossuda prosseguia com o rol de assuntos descarnados, maquiados com os mesmos tons das visitas que chegam sem chegar. Gutural, áspera, arenosa, lodosa, sua voz penetrava pelos meus ouvidos como uma agulha de tricô metálica, comprida, fina... que tricotava medonhos buracos entre o coração e o esôfago. Devo ter demonstrado claramente a minha agonia porque que lá pelas tantas seus ossos paralisaram num olhar oco, encovado. Do fundo das duas covas rasas, empedradas, secas, depauperadas, eclodiu um eco: por que você, monte de ossos, não me avisou antes?

Indiferente, a Mortíssima sacolejou os ossos, ajeitou o crânio, alongou as extremidades ossudas e olhou para o relógio à parede. Quarenta e cinco minutos exatos tinham transcorrido desde a sua chegada. Em impassível indiferença a Ossuda se foi, sem se despedir nem agendar uma nova visita...

domingo, 29 de novembro de 2009

Portugal, o Baú & Virgínia

Quando chegou ao Brasil, Virgínia guardou Portugal dentro de um enorme baú de madeira. Cobriu-o com um lenço florido e franjado. Ali a Lusitânia ficava quieta, esperando que Virgínia o abrisse quando sentisse saudades. A princípio o baú era aberto umas três vezes ao dia. Virgínia descalçava os sapatos, sentava na borda e enfiava os pés nas toalhas, fronhas, lençóis e álbuns de fotografias do Rio Dão. Alheio às estranhas águas, o rio rolava seixos por entre os dedos da rapariga que um dia conhecera em Mangualde. Nessas horas, Virgínia chorava. As lágrimas molhavam as roupas do oceano que margeava Lisboa. Subitamente os seixos secavam para que ela e Amália Rodrigues subissem a Rua do Capelão. Subiam cantando como só as portuguesas cantam. Portugal nessas horas também chorava. Pegava uma guitarra esquecida no fundo do baú e desenhava notas num fado. Não sei se por fado ou destino, Virgínia um dia mergulhou no Dão e nunca mais retornou. O baú continua no mesmo lugar, fechado, cerrado, dolorido como o fado. A chave? Virgínia a levou com ela...



Trecho extraído do meu livro, Amor se Faz na Cozinha, publicado pela Editora Bertrand.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Vazio & Portas

Dessa vez a campainha não afundou no mar da insistência pregado um pouco abaixo do umbral da porta. Muda, sem ousar uma só nota, anunciou minha chegada no apartamento vazio. Nenhum som se fez na sala. Nenhuma tosse apontou a velha asma. Nenhuma estrela cintilou em olhos úmidos, curiosos, sombreados pela névoa da idade. O tempo parara equilibrado na tênue teia de aranha que pendia de um dos cantos do teto. Mas o apartamento não tinha teto, nem chão nem paredes... Só portas e vazio.
Entrei pela porta que outrora ligava ao quarto e não havia quarto. Contei dez passos e entrei pela porta que antes ligava ao banheiro e não havia banheiro, nem pia nem água. Onde eu estava? Em que dimensão ela se escondera? Em que vão eu me perdera?
Se ao menos ela tivese deixado um bilhete, um recibo de alguma viagem comprada ou só um recado seco indicando uma ida ao supermercado... Se ao menos ela tivesse deixado uma torneira aberta, uma panela no fogo, uma peça de roupa no varal... Se ao menos o telefone tocasse... Mas não, não encontrei bilhete, nem panela, nem recado, nem roupa no varal. O apartamento se equilibrava no vazio como uma teia de aranha capenga cheia de portas que não ligavam a nenhum lugar...
Se ao menos ela tivesse levado uma mala...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

No Vão das Coxas Dela

Ela dizia que doí quando despontei à beira do poço escondido no vão das suas coxas. Doí uma dor que ela nunca sentira. Dor doída, sangrada, melada, enrolada em tripa. Doí tanto que de susto os mamilos fecharam as bicas e empedraram a Via Láctea. Susto doído, gritado, esperneado, faminto, desamparado. Susto mariano, enrolado em mantas franjadas e fraldas molhadas. Susto - que me perdoem os Josés - solitário, frio por paredes frias de maternidades mais frias ainda...
Hoje, passados cinquenta e oito anos de vida aninhada em seus seios murchos, caídos, carcomidos pela terra que agora a cobre num poço escuro, sem coxas e sem vão, a dor - a dor danada - me estilhaça em Via Láctea sem leite, estrelas e vida. Doídamente descubro que aniversário só tem sentido quando as mães estão por perto...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Caixas & Orfandade

Seis dias órfãos. Seis dias de vãs tentativas de guardar cheiros, sorrisos, toques, suspiros, olhares... dentro de caixas. Mas caixas só guardam roupas, sapatos e objetos. Caixas não guardam almas. Caixas são desalmadas. Caixas encaixotam corpos que ficam largados, esquecidos em buracos ocos. Caixas sufocam, caixas desalmam...
Amor a gente guarda no coração sangrado, apertado de lembranças que morrem de medo de um dia serem esquecidas...

Obs: não tenho palavras para agradecer o carinho que recebi de amigos tão especiais. É tão bom ter amigos...

Obs2: na foto, Maria Luiza, minha mãe, ainda menina. Dando um tchau para nós.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Maria Luiza, Letes & Anjo


Ontem, as oito e meia da noite, um anjo levou Maria Luiza Pereira Frazão, minha mãe, para as terras do Letes.
Partiu dormindo, sonhando com os seus mortos que da outra margem do rio acenavam. Me deixou órfã, solitária como um quebra-cabeças faltando mil peças...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Fantasma de Chet Baker


Eu devia ter desconfiado quando de repente a bolacha negra surgiu do nada na velha loja de livros velhíssimos. O que faria uma bolacha negra no meio de poeira e traças, exibindo-se em balé de 33 rotações? Seria algum recado da cantora de blues que se mostrava - mostrava não, se insinuava - nas últimas frases da Náusea de Sartre? Mas Sartre já tinha morrido e os anjos já o tinham entupido de sal de andrews. Simone já estava ao seu lado e já tinham até alugado um conjugado no céu... Não, não era a cantora de jazz nem o estômago delicado do filósofo. A bolacha vinha de algum lugar do Além que ficava além de minha nauseada imaginação.
Está certo, confesso, eu andava meio nauseada, meio desligada, tão meio desafinada que entrara na loja à cata de um livro qualquer de auto-ajuda - pode rir, é pra rir mesmo - de qualquer livro de no máximo oitenta páginas burramente distribuídas em cento e oitenta parágrafos que dissessem absolutamente nada. Nada do ser e do nada nem de filosofias que me confirmassem que não há nada mais cruel que ter idéias na cabeça. Eu precisava de um tudo estofado como um sofá das Casas Bahia, de preferência em suaves prestações, comprado com um cartão de crédito que o livrinho certamente me ensinaria como obter...
Foi no intervalo entre o desejo de me perder de "si" e me achar em "dó" de mim financiado pela Fininvest ou qualquer coisa que não valha que a bolacha rodopiou aos meus pés. Estiquei os olhos e lá estava Chet Baker, o fantasma que não era de Bakersville, mas uivava para a lua com um trumpete. Lá estava ele, saído do Nada da cantora da Náusea, do Uivo de Guinsberg e das estradas de Kerouac. Me olhou com aqueles olhos de belas heroínas e me chamou para dançar. Dançar?! Eu estava ali para encontrar o Graal da mediocridade em suaves prestações! Eu já tinha jogado fora todos os meus livros e os meus discos de jazz. Agora eu queria mais era jazer numa vida despreocupada, embalada por churrasco, cerveja e piadas idiotas. Eu queria aprender de cor todas as marcas de carros (parei no chevete), aparelhos eletrônicos e tralharias digitais. E lá me vinha Chet Baker numa hora dessas me chamar para dançar? Ele e sua heroína que continuassem a girar em trinta e três rotações. E que engolissem a agulha de diamante. Eu mesma já tinha jogado a vitrola fora...
Mas por artes da heroína de Chet ou do ácido lisérgico que os anjos cismam em misturar ao ar dos poetas, a bolacha começou a tocar sozinha. O que fazer? Como não fugir de "si" no "sol" de tanta música? E foi naquele segundo em que Chet começou a tocar que desisti da mediocridade medíocre de vencer na vida com titica na cabeça e, uivando os primeiros versos do Uivo, coloquei fogo na prateleira dos livros de auto-ajuda. Levei Chet para casa e dançamos a noite toda ao som de My Funny Valentine...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Amora & Amores


Foi por puro acaso que Amora descobriu seus dons para o amor. À época ainda era verde, sem suco, sem coloração perfeita, mas já exibia as protuberâncias arredondadas que provocam água na boca dos meninos. Sem suco e sem o vermelho que tatua nódoas no corpo e no coração dos amantes, se valeu do perfume e da maciez da casca. Seduziu o menino que sentava na terceira fileira da sala, exatamente na segunda carteira à direita. No ângulo certo da visão do seu redondo joelho.

Não sei se pelo perfume ou pelas curvas carnudas de um círculo que se estendia em coxa, Amora seduziu o seu primeiro amor. “Sedução geométrica”, disseram as amigas enciumadas. “Primeiro fruto!”, exultou a avó enquanto podava e preparava a terra de um enorme pé de amora que se enroscava na cerca do jardim.

Talvez pelos espinhos ou pelos galhos que de tão enroscados sufocavam a cerca, o amor de Amora não durou muito tempo. Terminou por desavença geométrica e deslocamento físico: estendido numa reta que não se encaixava no círculo do seu joelho, o menino simplesmente mudou-se para uma outra cidade. O rompimento causou dores, mas não abalou o perfume nem as curvas da fruta e Amora permaneceu disponível em seu galho. Podada e aguada nas luas certas, em pouco tempo descobriu-se madura, suculenta, pronta para ser colhida.

Seguindo a lógica quântica da natureza, Amora se fez verde, de vez e madura por infinitas vezes. Foi colhida por mãos que se perderam em suas protuberâncias curvilíneas e derramou líquidos em bocas que suspiravam em prazer.

Depois de muitas luas descobriu o seu próprio segredo e resolveu revelá-lo: abriu uma pequena loja especializada em amoras. E lá, entre geléias, tortas, balas, bombons, licores e amoras frescas, Amora revelou-se perita em amores... O endereço da loja? Ah, esse fica por conta da geometria das mulheres.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Dando um Help para Deus


Quando Deus nos deu a vida, também nos deu a liberdade de darmos vida. Simone, e muitos outros, está precisando de nós. A doação não dói. Vamos doar e espalhar na Net o pedido? Deus certamente nos agradecerá por isso...
Obs: a Simone está no meu facebook . Que tal uma prosinha com ela? Ela é um doce!!!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Luiza & Mary Stuart

Durante a velhice, Luiza preparou-se para uma outra vida, em que seria rainha ou, na pior das hipóteses, princesa. Embora não tivesse nem mesmo um remoto laço genealógico com Mary Stuart, agia como se lhe fosse próxima. Não sei se por uma ser da Escócia e a outra do Estácio, as duas eram muito parecidas. Mary Stuart não ficou redonda como Luiza, mas em compensação não escutou as rodas de samba do Estácio. Mary Stuart nasceu rainha. Luiza nasceu para ser rainha numa outra vida. Apesar das pequenas diferenças, eram irritantemente parecidas. Mary amava as golas, Luiza as detestava. Mary arrastava saias negras pelos aposentos do palácio; Luiza, pelos becos do Estácio. Mary caçava raposas com cachorros; Luiza caçava as dezenas do cachorro. Mary guardava doces numa caixinha de prata; Luiza, numa lata. Mary reinava em nome de Cristo, Luiza tinha um Cristo que reinava na parede da sala. Mary dividia a coroa com a prima; Luiza, uma parca aposentadoria. Mary casou com um rei; Luiza, com um operário. Mary sentava-se num trono; Luiza, numa cadeira Chipendale. Mary era Stuart, Luiza, Correa.
Quando se encontrou com a morte, Luiza pediu-lhe que não a fizesse rainha. Preferiu uma cama, pois estava muito cansada...



obs: texto extraído do meu livro Amor se Faz na Cozinha, publicado pela Editora Bertrand

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Livros, Língua & Amigo

Não sei se por velhice Divina ou se por embaçamento das janelas do céu - pode acreditar, a poluição também chega lá - Deus se cansou de olhar os homens e se recolheu aos livros. Arrastou uma velha poltrona para perto da lareira, esqueceu dos conselhos médicos e desaposentou um maço de cigarros, colocou na vitrola um disco de Chet Baker e tirou da estante o primeiro volume da trilogia de Henry Miller. Sexus. "Latim", pensou o Diviníssimo, carregando o grosso volume para a poltrona.
E ali, entre a primeira baforada e o sopro reticente de Chet, Ele folheou a primeira página. O livro não era em latim. "Como? Que raio de língua é essa?" Deus se perguntou, já desconfiado de que o tempo que havia criado lhe passara a perna. O tempo correra e o Altíssimo ficara para trás, acreditando que a onipresença e a oniciência estavam para além das transformações da linguagem. Se Ele tivesse dado ouvidos a Crocce, ou a São Tomas de Aquino ou se tivesse lido Crátilo, de seu amigo Platão, com mais atenção, decerto não estaria pagando tal mico. Mas você sabe, Deus é Deus e nem o Diabo o convence do contrário.
Não sei se por desconsolo da idade ou se por carência afetiva que nenhuma Santíssima supriria, Deus chorou como um bebê. Esqueceu que era Deus e caiu no melodrama. "Não posso morrer sem ler Henry Miller...", o Diviníssimo choramingou com o rosto enterrado numa almofada.
Se foi um acaso da Mortíssima bater perna no lugar errado mas na hora certa ou se tudo não passou de um acordo entre Ele e ela, isso eu não sei. O que sei é que hoje, meu amigo Haroldo Netto, o melhor tradutor do mundo, foi chamado às pressas para socorrer o Altíssimo...

sábado, 13 de junho de 2009

A Visita de Dona Inveja

Anunciou sua visita sem nenhuma cerimônia. Não esperou convite e foi se convidando. Eu, cá do meu canto, não disse que sim nem que não: esperei que o interesse se extinguisse e aquela visita, que não foi convidada, desistisse de vir.
Não dei ouvidos aos meus fantasmas aflitos a me pedirem para que eu fechasse todas as portas e janelas, e dependurasse um cartaz no portão: CUIDADO! CÃES FEROZES!
Os dias se passaram e eu já tinha quase me esquecido dela, quando ela chegou. Mas uma vez não levei em conta os sinais de mau agouro. Fingi que não vi a sombra velando o olhar do motorista do taxi que a trouxera. Tapei os ouvidos para o canto de uma coruja em pleno meio-dia. Fechei os olhos para o sol que correu a se esconder atrás de uma nuvem e para o cadáver de um sapo que o táxi atropelara bem defronte do portão. Abri a porta e deixei que a Inveja entrasse. Entrou humilde, fingindo castidade. Distribuiu presentes e sorrisos numa boca sem dentes. Olhou para todos os cantos da casa. Sentou-se na sala e quis saber coisas. Eu bem que sabia que as suas perguntas seriam comidas por um gato. Não dei importância e deixei que a Senhora Inveja comesse da minha comida e depois a vomitasse, proclamando propiedade do vômito. Lembrei de Vitalina me dizendo que "a Inveja é uma senhora sem rosto, corpo, alma, e pousada, que vaga pelo mundo roubando a face e o lar do alheio". No momento em que se despediu, vi o meu rosto refletido na sua face distorcida. A máscara apertada não lhe coubera direito. O meu sorriso não cabia na sua boca sem dentes. O meu olhar não encaixou-se nos dois buracos do seu crânio... Partiu, deixando no ar o cheiro fétido da mentira. Um aroma que de tão medonho, assustou a fumaça negra do ônibus que a levou de volta para os pântanos da perfídia.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Blood & Moon

Quando a lua avermelhava no céu, Luiza catava ervas no terreiro, defumava a casa e as meninas (na casa só moravam mulheres). Cerrava as janelas, acendia velas e rezava o terço. Ñessa noite não dormia. Vigiava o mundo. Velava os vivos. Ouvia vozes que ninguém mais ouvia. Dentro da casa, as meninas rezavam.
Do lado de fora, os vizinhos espiavam. Luiza sabia que no dia seguinte as crianças da rua a acompanhariam com troças. Não ligava. "São anjos", ela dizia. Luiza compreendia a inocência dos anjos e sabia que eles nada podiam fazer. "A inocência às vezes é estúpida", filosofava com os seus botões. Sua mãe lhe ensinara a temer a hemorragia da lua. Dissera que era um aborto. A lua vermelha abortava pragas. Quando ela abortava, o Canhoto enchia a pança de maldade. Deus não podia fazer nada. Estava a léguas de distância, brincando com os anjos. A terra ficava entregue ao Canhoto e a Lua, à sua enfermidade. Luiza quis saber por quê a Lua, que era tão forte, ficava fraca. A mãe respondeu: "Para mostrar como os homens são estúpidos.". Luiza acatou de bom grado a resposta.
Seguiu os seus dias tomando conta do céu. A princípio, quando ainda acreditava na reversão da estupidez, bem que tentou avisar aos vizinhos que o céu prometia catástrofes. Ninguém ouviu. Então ela viu a Lua ficar vermelha antes da primeira guerra, antes do mar engolir o Titanic, antes da segunda guerra, antes do massacre no Vietnã, e antes de muitas epidemias. Como ninguém lhe deu ouvidos, preferiu silênciar e guardar para si os prenúncios das tragédias. Concluiu que a estupidez é coisa que não se reverte. "Ë obra do canhoto", definiu. Morreu com o terço na mão, pedindo à Mãe que velasse pelos estúpidos. Se na hora de se encontrar com a Morte, viu ou não uma outra Lua Vermelha, isso ficou entre ela e a Mortíssima. Só sei que não faz muito tempo, a Lua deu de sangrar no céu...

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Zé e uma casa de campo no Sumaré.

Em meio a avenidas paulistanas,
entre faróis, buzinas e antenas,
uma casa na rua Petrópolis.
Defronte, uma praça.
Ao lado, um chinês maluco.
Dentro, ah, dentro... um campo
de Barbara, Tonico, Júlia e .
Uma casa de campo no topo do Sumaré?
Sim, pois é.


Deus devia estar sem amigos quando criou a morte...
obs: na foto, Ana Maria Santeiro & Zé.

sábado, 16 de maio de 2009

Quando Uma Cidade Faz Anos

Quando nos últimos meses do ano de 1963 a tubulação de gás da minha rua, Paissandú, foi para os ares num piscar de olhos, desconfiei que não vinha boa coisa pela frente. O odor insuportável de gás putrefato era de tal forma intenso que Vitalina, minha avó, afirmou categoricamente tratar-se da "catinga do Tinhoso" a anunciar sua chegada.
Eu, que nunca tinha encarado o Capeta olho no olho, confesso que de dentro do imaginário realista mágico dos meus doze anos passei a nutrir uma mórbida curiosidade quanto a sua aparência. Ao perceber este súbito interesse, vó Vitalina deu de defumar a rua e os seus buracos com ervas, alho e sal.
A sua convicção de que o Pai da Mentira emergeria das profundezas da Terra era tanta que logo arregimentou algumas amigas, rezadeiras poderosas, para juntas iniciarem uma vigília na boca do extenso buraco que, como uma serpente infernal, se dirigia ao imponente Palácio da Guanabara.
Quando o seu plantão na vigília era interrompido para o almoço, Vitalina aproveitava a ocasião para me dar maiores esclarecimentos sobre as artimanhas e nomes adotados pelo Senhor das Trevas, desde que o mundo é mundo. E foi entre garfadas de bife e batata frita que vim a saber que o tal Coisa-Ruim se chamou Nero, Calígula, Franco, Mussolini, Hitler, Salazar...e até Pilatos.
Das artimanhas de Belzebu, Vitalina narrou o estranho poder que ele tinha de provocar intrigas, delações, injustiças, pestes e feiúra.
As injustiças, delações e pestes eu já tinha presenciado nas ventas do buraco: o pai de minha amiga Vânia, um historiador amante de Marx, foi despedido do emprego da noite para o dia; o almirante que morava no quinto andar, inimigo número um das crianças e adolescentes do prédio, foi eleito síndico numa assembléia muito suspeita; e um surto de hepatite atingiu quase todos nós.
Sim, eu mesma já podia sentir na carne os primeiros sinais "visíveis" da devastação que viria pela frente...Não sei se pelo medo do Rabudo (que a essa altura eu já não queria conhecer) ou mesmo pela hepatite, o corpo e a alma amarelaram. E amarelaram tanto que acabaram amarelando toda a casa.
Meu pai, amante dos discursos inflamados e fiel defensor dos pobres e oprimidos, deu de falar baixo, deu de esconder os seus preciosos livros e a sobressaltar-se a cada toque da campainha.
O gás exalado pelo buraco da rua acabou chegando ao oitavo andar do prédio e me apresentando o primeiro suicida, a primeira vítima do Mofento. Se não tivesse passado quarenta anos, certamente eu ainda saberia o nome do morador bonito e calado, do 802, e ainda tremeria pela minha transgressão e bravura de ter roubado o volume Obras Escolhidas de Pablo Neruda, que solitário jazia no chão, abaixo do corpo a balançar amarrado ao lustre e marcado por um lacônico bilhete - que a polícia nunca leu - em que se lia: Confesso Que Vivi.
Quando a rua Paissandu foi tomada por militares no final de março de 1964, não me surpreendi. Vitalina já havia me alertado para a chegada do Senhor das Trevas.





Obs : hoje, passados tantos anos, no dia em que Nova Friburgo, a cidade que escolhi para morar, comemora seus cento e tantos anos de existência, constato que o Tinhoso continua a exalar fedor (e atos) pelas pequenas e grandes cidades do meu país. Hoje, 16 de maio de 2009, o jornal da nossa cidade foi vilmente obrigado a podar, castrar, impedir, calar as palavras de um jovem cronista, escritor e filho muito querido, cujo crime consistiu em criticar um aumento abusivo acontecido na cidade. De mãos atadas, o jornal A Voz da Serra silenciou a fala do poeta. Até quando viveremos sob o fedor da intolerância e ditadura do vil capital que sem usar armas consegue ser mais letal que a própria Mortíssima?





obs2: na foto, Daniel e Ronaldo.



quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Poty & O Pote

No fundo do jardim, um pote
de barro.
Lama que babava em dedos
enfiados,
escorregados numa trilha
de vacas e bois.
Cheiro de terra, estrume
e água.
No fundo do precipício, um rio
plácido, musguento,
sonolento de piabas.
Um rio pote
de sucuris douradas.
Sem começo nem fim,
sem vazio nem cheio.
Lá no fim onde canoas
boiavam estacionadas
aprendi a nadar canina,
quase afogada.
Do fundo da água pesada
em meio a bolhas
galhos
cipós
e areia
o rio se disse chamar Poty.
Ouvi, por ti.
E por mim Poty se fez meu
como um dia se fez para o Piauí
e para a sucuri que quase me comeu.



obs: esta história é verdadeira. Passei minha infância no Piauí, em Teresina, numa fazenda chamada Primavera. O Poty a atravessava. Majestoso ele caçoava da majestade da nossa casa empoleirada no cocoroco de um monte. De lá de baixo ele nos observava. Soberbo, matreiro, silencioso, ronronante como um tigre de Bengala. Para chegar até ele eu cruzava o jardim e descia por uma trilha de barro que dava num platô onde ficava a vacaria. Depois de ver Esperança, minha zebu mosquenta, era só descer mais um pouco e, lá na beira, ele me recebia rindo da minha figura bizarra,vestida num maiô com um ridículo babadinho. Levou algum tempo para que travássemos amizade, mas no fim, depois de me salvar de um afogamento (a sucuri fica por conta da minha fértil imaginação), ficamos amigos até debaixo d'água. E como amigo a gente não abandona nas horas difíceis (nem prazerosas), peço a todos que olhem para o Poty, para o Piauí e para aquela gente bonita que lá mora e os ajudem.
obs²: na foto estou eu, tia Nazir segurando meu primo, Carlos Augusto Vinhais, tia Nazair abraçando a mim e a Guilherme Cavalcante de Mello, meu primo. Não éramos bonitinhos? Ah, a foto foi tirada na fazenda Primavera.







sábado, 2 de maio de 2009

Aparecidas aparecências

Se não fossem mulheres, não "apareciam". Decerto enviariam mensageiros para anunciar a sua chegada ou criariam algum pretexto para aparecer. Não boiariam em águas profundas, não mergulhariam em charcos, não habitariam grutas nem vagariam por regiões áridas a semear rosas. Surgiriam na marra, à frente de batalhões ou de algum dragão decapitado.

Se não fossem mulheres, decerto apareceriam só para parecer. Por exibição ou por umbigo não cortado, girariam as próprias células em torno do si: mesmo, idêntico, imutável.

Mas como eram elas e não eram eles, deram de aparecer em santidade quântica. Por pura aparecência se espalharam por grotas, oceanos, rios, lagos, janelas e charcos. Em silêncio. Sem alarde. Por gosto muito além da língua e do paladar.

E foram mastigadas em comunhão profana por toda ela outra que aparecia. Em princípio eterno, sem Verbo e ponto final, abraçaram o mundo em santíssima reticência.

obs: se você gostou desta minha/nossa SANTÍSSIMA, dê uma olhadinha no meu livro Senhoras do Santíssimo Feminino, publicado pela Editora Rosa dos Tempos (do Grupo Record ), onde muitas outras Santíssimas esperam loucas para aparecer e contar histórias.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Porciana & Persianas Genealógicas

Quando apareceu, optou pelos números. À direita, o número redondo da folha. À esquerda, escondido num canto iluminado pela tênue luz da lamparina, o número do termo. Muda, invisível, inodora, alheia ao tempo e à caligrafia rebuscada, quase apagada, do empertigado escrivão do cartório. "Moço esquisito", pensou, sufocada pelas paredes amarelecidas da sala abafada, sem sol. Quis abrir as janelas, mas as trancas eram altas demais para sua altura pouca.
Invisível, se valeu desse estado e levantou a saia pesada, negra, sustentada por muitas anáguas. Recolheu as ondas do oceano de panos e esticou as pernas ávidas de sol. Seu marido não viu. O moço esquisito não viu. "Quem foi que disse que a morte não traz vantagens?", pensou com os botões da blusa abotoada até o cume do pescoço.
No topo da montanha escarpada em curvas e grotas de carne, os botões abandonaram as casas, descendo pela encosta como alpinistas à frente de uma avalanche. Ninguém percebeu o imperceptível abalo nas tábuas enceradas do assoalho e com enfado o empertigado escrivão continuou a escrever que às nove horas da noite deste dia de mil novecentos e oito falleceu Porciana Roza de Jesus, de pneumonia, aparentando oitenta annos de idade. Pronto. A morte fora lavrada e assinada.
Livre da saia, das anáguas e da blusa, Porciana se exibiu para Deus exatamente como Ele gostava de espiá-la no riacho. Ergueu-se da cadeira à frente da mesa do moço esquisito e, esticando-se na ponta dos pés, finalmente conseguiu abrir a janela. Ninguém percebeu o imperceptível tornado que embaralhou as letras rebuscadas, quase apagadas, do termo de seu óbito para formar um cifrado recado: eu, Porciana Roza de Jesus (e de Deus), sua trisavó, declaro que dos pecados cometi todos; acumulei o brilho das estrelas no cofre da alma, emprestei amor a juros tão altos que poucos amantes puderam pagá-los, gemi de prazer à cada botão desabotoado, invejei todas as aves de migração, lambi cada torrão de açúcar como se fosse o último, cobicei a prata da lua e o marulho das ondas, amaldiçoei o Criador por não ter me feito sereia ... e que os "aparentes" oitenta anos declarados pelo doutor ficam por conta dos óleos com que ungi meu corpo nos meus noventa e sete anos de vida.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Amor se Faz na Cozinha

Depois das refeições, Vitalina recolhia-se à cozinha. Lavava a louça, enxugava os pratos, arrumava os talheres na gaveta, sacudia a toalha de mesa e pendurava o pano de prato no varal do quintal. Depois, servia-se de um cálice de vinho do Porto, acendia um cigarro, sentava-se à velha mesa e ligava o rádio.
As notas de Moon Light Serenade aninhavam-se no bolso de seu avental que não era sujo de ovo, mas guardava estrelas. Sílvio Caldas, talvez por ciúmes de Duke Ellington ou por não resistir a um regaço moreno, aveludava ainda mais a voz e cantava só para ela. Vitalina gostava desses galanteios.
Cresci dentro de uma cozinha que cantava e recitava trechos de antigas novelas. Por premonição estética ou por vergonha de não saber ler, Vitalina tinha na cozinha (para ser usado no futuro) um grosso volume de poesias de Cruz e Souza. Não sabia decifrar as letras, mas aprendera a gostar do moço que morava dentro do livro . Ah, o livro. Um livro que aprendeu a falar à medida que na escola eu conhecia as letras. E, quando cheguei ao Z e ao domínio dos verbos, dos pronomes, das conjunções, dos hiatos e dos objetos diretos e indiretos, o moço do livro soltou a fala. Disse que era um poeta. Vitalina gostou tanto de suas palavras, que lhe pediu para trazer os amigos "para uma prosinha". O moço não se fez de rogado e trouxe um animado bando que, num piscar de olhos, transformou a velha cozinha num recanto boêmio.
Todos os dias, enquanto Vitalina refogava o feijão ou assava um bolo, lá se reuniam Neruda, Eluard, Camões, Castro Alves, Gregório de Matos, Rimbaud, Allen Ginsberg, Baudelaire, Elisabeth Bishop, Pound, Augusto dos Anjos, Dorothy Parker, Lorca... para beber licor de jenipapo ao som da Rádio Nacional e das histórias que Vitalina tão bem narrava.
O endereço da boemia espalhou-se, e vieram os pintores. Picasso ficou maluco com os potes de barro que Vitalina ganhara de Mestre Vitalino. Dali levou Gala. Goya chegou desacompanhado. Degas apareceu com umas bailarinas. Vieram muitos, aos bandos.
Os atores chegaram por último (trabalhavam até tarde), acompanhados por amigos cantores. Maria Callas chegou com Theda Bara, uma chegada triunfal; Callas nas vestes de Medéia, e Theda nas de Cleópatra. Procópio Ferreira surgiu com um querubim baixinho chamado Grande Otelo; Cacilda Becker com Pixinguinha e Donga; Fernanda Montenegro com uma nereida chamada Chiquinha Gonzaga. E foram tantos que lá foram, que eu poderia jurar que Eurípedes e Shakespeare também por lá apareceram.
Aos domingos, as mulheres da minha família se reuniam, e Vitalina narrava as artes da boemia. Ninguém se espantava. Afinal, eram bruxas, e se bruxas podiam voar em vassouras por que seria impossível poetas saírem dos livros, pintores surgirem das telas, atores representarem à mesa e cantores fugirem dos discos? Não, as "artes" não eram nada improváveis.
Os anos se passaram e a boemia cresceu. Vieram os vizinhos e em pouco tempo o bairro inteiro. Vitalina cozinhava e o improvável acontecia. Os noivos se casavam, os feios embelezavam, os malvados adocicavam, e os velhos rejuvenesciam.Um dia, Deus, que já estava cansado - e com ciúmes - de ouvir as histórias da tal boemia, não resistiu ao cheirinho do bolo que Vitalina assava e a chamou para viver com Ele.
Vitalina aceitou o convite e fez de Deus sua última conquista. Dizem que ela foi a primeira a conquistá-Lo pela boca.


obs: se você gostou de Vitalina, sua cozinha, seus amores, seus feitiços e seu "caso" divino , ela está inteirinha no meu livro "Amor se Faz na Cozinha", publicado pela Editora Bertrand.

domingo, 5 de abril de 2009

O Flamengo & Dalva

Quando Dalva nasceu, seus pais nem de longe desconfiaram que ela seria flamenguista. Portugueses de fé e crença, apostaram nas caravelas e na maresia fadista de Amália: Dalva seria vascaína e os raios que os partissem se assim não fosse.
Nos primeiros meses de vida, Dalva demonstrou a estranha habilidade de acompanhar os acordes das guitarras portuguesas com o telecoteco do chocalho. Enquanto o fado desenhava no ar o lamento ladrilhado da Mouraria, Dalva ritmava a alma lusitana com o batuque de Sinhô e Donga.
Até então o samba não tatuara as lajotas daquela casa que a essa altura já não era mais, com certeza, uma casa portuguesa.
Por volta dos cinco anos de idade, quando seus pais ainda nutriam esperanças cruz- maltinas, Dalva surpreendeu-os no dia em que despachou um pratinho de farofa ao lado do galo lusitano que guardava a casa, do alto da cristaleira.
Depois de muitas farofas regadas com azeite puro de dendê, Dalva surpreendeu-os ainda mais quando, aos quinze anos de idade, trouxe para dentro de casa uma estranha entidade: um diabo vermelho e preto a segurar uma bola de futebol.
Como era uma bola, e não um tridente, os pais de Dalva pensaram que o diabo era mais um santo e deixaram que ela o colocasse no altar, juntamente com um radinho de pilha. Das alturas, já enfadado com as milenares tardes de descanso, Deus aprovou o sacrilégio.
O convívio do diabo rubronegro com os outros santos transcorreu pacífico e, se não fosse pela estranha nódoa vermelho e preta que "do nada" surgira no manto azul de Nossa Senhora de Fátima e pelo pulinho que Santo Antônio dava, toda vez que o rádio gritava GOOOOL, se poderia mesmo dizer que tudo corria às mil maravilhas.
A devoção de Dalva pelo estranho santinho era tão intensa que acabou por provocar milagres: da noite para o dia, depois de uma tarde inteira de novena ao pé do radinho de pilha, a cidade se abria em ruas coloridas por bandeiras rubras a tremular ao som do batuque negro. O domingo cerrava a cortina anunciando uma segunda-feira em festa.
Na feira, os portugueses vibravam com a montanha de frutas, verduras e legumes que a cidade consumia. Não sei se por razões econômicas ou por milagre mesmo, a Lusitânia se viu repartida entre dois amores. De um lado, lá dos confins do Atlântico, o mar lisboeta tremulava ondas cruz-maltinas; do outro, a fartura esbanjada do rebolar da alegria vertia sangue, suor e cerveja nos seus corações.
No dia em que o coração lusitano abriu-se de vez para a fé sanguínea da pequena Dalva, aconteceu o derradeiro milagre: lá pras bandas de Quintino nascia Zico, o menino que Deus enviou ao mundo para alegrar ainda mais os seus dias de descanso.
A alegria foi tanta que Deus efetivamente se fez brasileiro. Disfarçou-se de Joaquim Pereira e foi à Gávea requerer a cidadania.
Ao morrer, Dalva pediu que a enterrassem com a bandeira do Flamengo e o radinho de pilha. As pessoas pensaram que era desejo de torcedor e atenderam o seu pedido. O que elas não sabiam é que o pedido tinha partido de Deus...

sábado, 28 de março de 2009

Cariocas & Ostras

Quando as primeiras palavras brotaram na minha boca, o "s" saiu aconchegado e embrulhado dentro de uma ostra; um "s" redondo e chiado como as ondas de Copacabana. A princípio não me dei conta do clausuro aquático da letra e pensei que todos nós, brasileiros, éramos filhos de Afrodite e Posídon....


O tempo foi passando dependurado no bonde que ligava a cidade ao Flamengo. Vez por outra era era cortado por um negro táxi guiado por Manuéis ou Joaquins. Táxis que se pegava no ponto e que tictactavam como relógios escondidos bem atrás do taxímetro... O Rio era então uma enorme ostra que arredondava os "s" e badalava sinos nos bondes e tictactava relógios nos taxímetros...
Nesse tempo não havia tempo para sermos violentos e inseguros. A violência não combinava com os ruídos, e vamos convir que não se pode ser inseguro dentro do aconchego das ostras. E mesmo quando o mesmo ultrapassava os trilhos dos bondes e assumia a face do improvável, mesmo assim o inesperado, por mais bizarro que fosse, travestia-se de romance. E foi assim, entre o desvio do mesmo e os travestimentos, que me deparei com a primeira violência : A Fera da Penha. Mas as ostras teimam em transformar as impurezas em pérolas, e a fera, por acaso ou sina, transformou-se em romance.
A professora feiosa, leitora de fotonovelas e romances, confundiu-se entre a piedade e o ódio. A vítima, uma menina de cachinhos negros, num piscar de olhos virou santa. Depois, ávida pelos dramas e santificações, vi Mineirinho, um bandido baixinho e simpático, vestir a roupa de Robin Hood e se juntar ao bando dos desvalidos. Sucedeu-lhe Cara de Cavalo, o centauro.
Naquela época éramos ainda amantes do belo e costumávamos nos divertir no carnaval. Costurávamos estrelas no céu e os barracões tinham tetos de estrelas. Dizíamos bom-dia aos vizinhos e desconhecidos e nunca esquecíamos os nomes dos porteiros. Éramos pérolas polidas pela polidez das virtudes. Não éramos ingênuos. Não, foi muito depois que a generosidade travestiu-se em ingenuidade. Éramos gentis e redondos como as pérolas. Tínhamos o dom de transmutar o feio e torná-lo romance. O tempo passou e pensamos que ele correu depressa demais. E começamos a correr como loucos. Esquecemos o bom-dia e os romances. Caímos na armadilha. Mas... o Rio continua lindo, esperando pelos romances. E aos pessimistas ele diz: só as pérolas conhecem o segredo da transmutação do impuro!


obs: se vc gostou do texto (tá legal, é chantagem mesmo) dá uma lidinha no meu livro, O Feitiço da Lua , publicado pela Editora Bertrand.

domingo, 22 de março de 2009

Treine Coltrane

Prepare seu colt.
Suicide-se em mi,
sem .
Não tema dar ré.
Pule por cima do sol
e ultrapasse galáxias.
Siga o colt em treino
de liberdade.
Treine, treine,
treine e treine...





obs: se por acaso, um acaso mínimo, microscópico, vc gosta das sandices que escrevo, então... que tal ler um dos meus livros? De prima - crente que vc topará - sugiro "Senhoras do Santíssimo Feminino", um livro que amei escrever e foi publicado pela Editora Rosa dos Tempos, do Grupo Editorial Record, ou então, "Amor se Faz na Cozinha", outro livro que escrevi com o ventre e as caraminholas das lembranças, publicado pela Editora Bertrand, tb do Grupo Editorial Record

sexta-feira, 20 de março de 2009

Kafka e a Nossa Metamorfose

Quando Gregório Silva despertou numa certa manhã em que ouviu, no rádio, notícias sobre um castelo fincado no sertão mineiro , viu surgir o primeiro sinal da metamorfose: duas estúpidas anteninhas bem no alto da cabeça que o obrigaram a ir para o escritório com um gorro mais estúpido ainda. Se tivesse lido Kafka, ficaria em casa, daria uma desculpa ao chefe da repartição e não se prestaria a tal vexame. Mas como não lera e ainda por cima era só mais um brasileiro aterrado com o desemprego, preferiu pagar o mico e garantir o parco salário.
Se a pressa de chegar ao trabalho não lhe fosse prioridade máxima (os tempos eram duros e, por qualquer bobeira, o sujeito dançava), Gregório veria que as ruas estavam apinhadas de gorros. Mas o medo do desemprego o impedia até de olhar para os lados.
Assim, com os olhos voltados para uma frente que corria o risco de desaparecer a qualquer momento, Gregório foi vivendo a vida com a cabeça enfiada num estúpido gorro. Até que lá pelos meados do ano, quando o escalão maior do Estado decidia expulsões ingratas, legalizações transgênicas, reformas nebulosas e construção de mais uma usina nuclear, surgiu o segundo sinal da metamorfose: duas asas asquerosamente cascudas que o obrigaram a tirar do armário o velho fraque do casamento e com ele ir vestido para o trabalho. Se Gregório tivesse lido Kafka, teria a certeza de que estava se transformando em barata. Mas como o seu tempo era curto para as leituras e já deixara de ser dinheiro há muito tempo, preferiu seguir a sua vidinha de dívidas e prestações, achando que as asas não passavam de um mero desvio da coluna.
Ao contrário do herói de Kafka, Gregório não podia se dar ao luxo de se trancar num quarto e virar barata. O antigo chefe já havia dançado e entrara no seu lugar a esposa de um vereador, amigo do diretor. E foi exatamente a nomeação da tal mulher que provocou mais uma etapa da sua metamorfose: duas patas cabeludas substituíram os seus braços. Como havia sido transferido do almoxarifado (a nova chefe, num acesso de faxinice aguda, eliminara todo o estoque de medicamentos), Gregório logo se adaptou às patas.
Acostumado com a naturalidade brasileira das adaptações, Gregório foi seguindo a vida aos trancos e barrancos. Às vezes, chegava até a agradecer a metamorfose. Sem precisar gastar dinheiro com nenhuma cirurgia, seu estômago encolhera e a falta de alimento na geladeira já não o assustava mais. O gorro estúpido já não lhe causava constrangimento, pois da noite para o dia virara moda.
Mas como adaptação de classe média dura pouco, nesta semana, ao ver na TV as gastanças do senado com diretores de garagem, diretores de atas, diretores de cafezinho e diretores de adoçante e de venezianas, Gregório se viu totalmente transformado em barata. Olhou para os lados e viu a mulher, os filhos e a empregada arrastando-se pelos cômodos da casa, exatamente como ele. Arrastou-se até a janela e viu a rua apinhada de insetos. E quando já começava a tecer motivos para mais uma adaptação, viu na TV uma cena dantesca: os parlamentares haviam se transformado em gigantescas latas de inseticida.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Cole Porter à Porta


Cole à porta,
sem ferrolho.
Entre a maçaneta
e o olho - mágico.
À vista,
exposto
escancarado como Kali.
Aberto,
à espera de alguém.
Pronto para sair
e engolir a cidade
em nacos suculentos
de gula.
Disposto,
para as retas
curvas, desvios
e becos.
Apto,
para todas as teclas
de pianos e carnes.
Avesso,
aos avisos prévios
de sonolentas campaínhas.
Mas não use muita cola
e o deixe livre
para cavalgar no parque.
E toda vez que ele disser adeus,
não morra.
Delovecie - se com o retorno.

domingo, 1 de março de 2009

Jorginho Guinle & Eu


Se há uma coisa que sempre me aborreceu nas histórias de fadas, é sem sombra de dúvida o papel secundário e enfadonho dos príncipes. Você já reparou que eles só aparecem no final da história? Já reparou como eles são bobões e arrumadinhos? E o beijo, então!? Você já viu beijo mais sem graça do que o do príncipe de história de fada?
Não sei se por um precoce pendor feminista, ou pela desilusão do primeiro beijo, eliminei da minha vida todo e qualquer príncipe até o dia em que conheci Jorginho Guinle.
Bem verdade que ele não combinava em nada com a descrição que os livros faziam dos príncipes. Não era alto, esbelto, estúpido, bem-comportado e nunca fora um sapo. Não era chegado a princezinhas igualmente estúpidas e choronas - daquelas tipo Branca de Neve e Cinderela -, que às custas de uma carinha de anjo e de alguns artifícios dignos da histeria freudiana estavam mesmo era à espera de um marido que as bancasse. Não, Jorginho. Se ele tivesse tido a oportunidade de conhecê-las, certamente teria romances com as madrastas. Dificilmente ele sucumbiria aos encantos cor-de-rosa de uma mocinha sonsa, estupidamente burra e sem graça como a Branca de Neve (essa, ele preferiu deixar para um príncipe inglês com cara de vela e cérebro guardado na gaveta da mãe).
E se Jorginho tivesse tido um caso com a madrasta, certamente o final da história seria outro. Aquele reino insosso teria ganho vida, glamour e sensualidade. Branca de Neve certamente seria banida para um condomínio medíocre, onde passaria as tardes assistindo aos filmes açucarados de Doris Day. O príncipe idiota venderia enceradeiras e passaria os domingos em frente à TV, entupindo-se de cerveja e sonhando com uma loura a entrar pelo buraquinho de uma garrafa.
No reino de Jorginho e da madrasta se ouviria jazz e bossa nova e a tv só seria ligada se houvesse alguma coisa que valesse a pena assistir. Em vez das novelas bobocas que arrancavam os suspiros da Branca de Neve, o povo teria o teatro. As peças de Ibsen, Brecht e Eurípides teriam muito mais audiência do que o Big Brother. Em vez da poética fuleira das éguinhas pocotó, o povo beberia as palavras de Noel Rosa, Chico Buarque, Caetano, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, Gil, Cartola, Nélson Cavaquinho, Cole Porter e de um milhão de poetas. No rádio, o verdadeiro pagode de Clementina de Jesus e de Dona Ivone Lara substituíria os acordes esganiçados de pagodeiros "belos".
Mas como as histórias (e a sociedade) têm a péssima mania de escolher a mediocridade, na hora H escolheram os Charles, as Dianas e as Brancas de Neve da vida como ícones da realeza. Porém, como ensinou Freud, as escolhas podem esconder atos falhos. Assim, quando nomearam Jorginho Guinle como "playboy", ironicamente deixaram visível o significado de um verdadeiro príncipe: menino que brinca.
Jorginho foi o príncipe que me ensinou que para ser real e valer a pena, a vida deve ser brincada e sorvida até o último suspiro.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Humano, Demasiadamente Humano


Vamos nos mobilizar e ajudar?

A COMBINA combina com seres humanos demasiadamente humanos e que se preocupam com a beleza e a vida do planeta.

COMBINA - Companhia dos Bichos e da NaturezaOrganização da Sociedade Civil de Interesse Público / OSCIPCNPJ:04.219.278/0001-05 Banco do Brasil Agência: 0335-2 Conta:15.565-9 Conta Poupança
Obs: se você tem um blog e acredita que pode fazer a diferença, por favor, espalhe a mensagem e, se possível, arrume um lugarzinho no cantinho da página para podermos ajudar, tá?

Marilene Tombini & Eu


A montanha se partiu em cacos
quando Marilene partiu da cidade.
Na janela vazia, o pingente oco
ocamente oscilava no vazio.
Nenhum passo no primeiro andar.
Foi-se como o aroma do shoyo
cobrindo o arroz integral.
Se despediu em lótus,
- macrobioticamente temperada -
em curva preguiçosa de yoga.
Deixou-me órfã de geração
e amiga.
De mochila às costas
tomou o rumo de um porto,
alegre.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Maiakovski & Nós



Primeiro, eles vêm à noite, com passo furtivo, a gente não se dá conta, finge que não vê, tapa os ouvidos,aumenta o volume da tevê, finge uma ocupação absolutamente irrisória, zanza pela casa, abre a geladeira, lê o jornal e se preocupa... com conceitos que quanto mais abstratos, melhor. Depois eles chegam, arrancam uma flor, e substituimos o vaso, absolutamente seguros de que foram-se os anéis mas ficaram os dedos ou de que poderia ter sido pior porque uma flor é só uma flor e não dizemos nada. Pra que falar? Era só uma flor, uma florzinha atoa, um tico de insignificância, um delitinho mínimo, desmerecedor de grandes preocupações. No dia seguinte, já não tomam precauções:tiram a máscara de bandidos, exibem suásticas, rufam tambores e gritam palavras de ordem (?) como Negros Imundos, Homossexuais Nojentos, Libertários Impuros, Artistas Devassos, Humanistas Panacas, Mulheres Vadias, Ecologistas de Merda, Judeus Sujos, Árabes Terroristas e outros slogans que nem o Canhoto conseguiria (nem teria estômago) criar. Sem cerimônia entram no nosso jardim, como se a casa fosse deles e tívessem sido convidados e pisam as nossas flores, mas flores são flores e são só flores e pra que fazer tanto barulho por nada? Damos uma espiadinha nos estragos no gramado, verificamos quais sementes e mudas compraremos no dia seguinte. Depois, entramos em casa, fechamos a porta e eles matam nosso cão. Só reparamos na manhã seguinte e mais uma vez fechamos os olhos , tapamos os ouvidos e costuramos a boca. Fingimos que não vimos ou soubemos que o matador (secretário de uma prefeitura perdida nos cafundós do país) chegou até a vangloriar-se num canal de tevê, exibindo - subliminarmente, é claro - uma pavorosa suástica que a plenos pulmões declarou que "cachorro é que nem criança negra, ninguém quer adotar" e empolgado pelas câmeras pomposamente afirmou que "se houvesse uma lei que permitisse matar menores de ruas, isso era um caso a se pensar". Mas que valor teriam as palavras de um secretário caipira perdido num município cravado no interior de um estado? O coitado deve ter se embananado, televisão intimida e acaba-se falando besteira , preferimos pensar e não dizemos nada.
Até que um dia o mais débil dentre eles
entra sozinho em nossa casa,
rouba nossa luz,
arranca a voz de nossa garganta
e já não podemos dizer nada.
As frases em vermelho são do poeta Eduardo Alves da Costa, em seu poema Caminhando com Maiakovski que ao escrevê-las, certamente deve ter passado pelo que hoje passa Nova Friburgo, nas mãos de um secretário de quem o próprio Demo deve sentir vergonha.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009


Vitalina, do alto do seu pouco mais de um século de vida, dizia: Cuidado com quem não gosta de criança e cachorro. Foram precisos muitos anos para que eu constatasse tamanha verdade quando há poucos dias assisti, estarrecida, uma eminente figura da Prefeitura de Nova Friburgo, cidade que escolhi para viver, defender de maneira grosseira ( por que será que prolifera tanto a má educação e a soberba entre a cúpula política? ) a MATANÇA de animais de rua.
Para justificar tamanha atrocidade o infeliz argumentou que "cachorro de rua é que nem criança negra: ninguém quer adotar". Na hora em que ele falou, com uma linha imperceptível de sarcasmo desenhada nos lábios, gelei até o fundo do fundinho da alma, pensando que já tinha visto esse argumento em algum lugar. "Primeiro eles matam os cães , depois, os miseráveis que encontrarem pelo caminho" vó Vitalina falou lá do canto do céu onde agora vive...
E como me aterroriza pensar que ela pode estar certa, escrevo este texto como testemunho de que na cidade de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, um infeliz secretário de uma secretaria que certamente deveria ser extinta e varrida do mapa, além de ter iniciado uma matança de animais, cruel, covarde e insana, insanamente deve andar com outras idéias na cabeça.
Como acredito que a VOZ - a voz que tão bem definiu Chico Buarque numa música que agora me escapa o título - é o instrumento mais poderoso do que qualquer espada ou arma letal, peço que espalhe este texto e coloquemos a voz na boca do trombone contra o ato arbitrário e cruel que está acontecendo hoje, na cidade de Nova Friburgo.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ana Durães & Eu


Na escarpa do Monte Alegre,
entre rodesians & vinho tinto
& casos do acaso contados
entre risos e pantufas,
ela mora: sacra
santa
santíssima.
Amiga de minas
nunca dantes exploradas.
Amiga de fé
& conjuros.
Comungada em hóstias,
caviar
rosas
& capa de Super Maria.
Heroína manca
bêbada de vida
& devota da liberdade.
No riso de Ana
anjos
santos
santas
deuses profanos
se fazem humanos...


obs: Ana Durães me deu de presente a capa de "Senhoras do Santíssimo Feminino" livro publicado pela Editora Rosa dos Tempos.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Matemática Insana


Some como se fosse muito,
como se a ordem dos fatores
não alterasse o produto,
como se a soma dos algarítmos
superasse o zero.
Incógnito em múltiplos fatores
se esconde tal qual um ladrão.
Surrupia,
escorrega,
dissimula...
Some como se tudo tivesse,
como se fosse,
como se ousasse,
como se acreditasse.
Aparente em mínimos fatores,
se exibe exageradamente artificial.
Como se o amor fosse uma simples conta...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Norma Bengell & Eu


Quando Henry Miller me dispensou
alegando minha pouca idade
e imaturidade erótico-linguística,
não me foi surpresa ser barrada
pelo porteiro do cinema São Luiz.
"Normas", disse o homenzinho
por detrás dos botões dourados
e penduricalhos da farda.
Normas?
"Não há normas em Norma",
argumentei, agora afiada
nas artes da hermenêutica.
"Impróprio para menores"
o sujeitinho falou apontando
uma tarja no cartaz.
Não houve hermenêutica,
nem matemática,
nem física,
nem metafísica,
nem geometria,
nem o mais quântico ilusionismo,
que o convencesse
de que treze era pura abstração relativa.
Não vi Norma Bengell emergir nua das águas
na sala escura do São Luiz.
O cinema tinha nome de santo e...
deu-se o milagre.
Norma deu de emergir sem normas
das palmeiras centenárias da Rua Paissandu,
dos salões burgueses do Fluminense,
e no desandar do andar das mulheres
(outrora enfadonhas)
que me rodeavam.
Hoje, passados anos
de muita abstração relativa,
a tenho amiga,
uma amiga sem normas...


Obs: Já está saindo o DVD de O Guarani, o super filme de Norma Bengell.

Chet

Chet

Home Sweet Home

Home Sweet Home
Que buraco é esse que me faz comer a geladeira?

Livros & Livrarias

Livros & Livrarias
Livrarias são janelas. Livros olham o mundo.Livrarias libertam. Livros revolucionam.

Senhoras do Santíssimo Feminino

Senhoras do Santíssimo Feminino
O poder sagrado Delas.

A Pergunta de Lacan

A Pergunta de Lacan
O mistério do gozo das mulheres

Afrodite & Panelas

Afrodite & Panelas
E no princípio era a GULA...

A Casa

A Casa
O mundo olha pelas nossas janelas...

Um Lance de Dados

Um Lance de Dados
Jamais abolirá o acaso

O Caldeirão

O Caldeirão
Ele não está no final do arco-íris

Armário e Gavetas

Armário e Gavetas
O que será que eles revelam?

Minha Cozinha

Minha Cozinha
Onde tudo começou.

Meus Segredos

Meus Segredos
Laços e refogados culinários

Nossas Luas

Nossas Luas
E são treze...

Seduções & Devaneios

Seduções & Devaneios
Eu o escreveria mil vezes!

Guadalupe, a Santíssima Mestiça

Guadalupe, a Santíssima Mestiça
Como amei descrevê-la!

Amor e Cozinha

Amor e Cozinha
Foi uma delícia escrevê-lo!