sexta-feira, 22 de maio de 2009

Zé e uma casa de campo no Sumaré.

Em meio a avenidas paulistanas,
entre faróis, buzinas e antenas,
uma casa na rua Petrópolis.
Defronte, uma praça.
Ao lado, um chinês maluco.
Dentro, ah, dentro... um campo
de Barbara, Tonico, Júlia e .
Uma casa de campo no topo do Sumaré?
Sim, pois é.


Deus devia estar sem amigos quando criou a morte...
obs: na foto, Ana Maria Santeiro & Zé.

sábado, 16 de maio de 2009

Quando Uma Cidade Faz Anos

Quando nos últimos meses do ano de 1963 a tubulação de gás da minha rua, Paissandú, foi para os ares num piscar de olhos, desconfiei que não vinha boa coisa pela frente. O odor insuportável de gás putrefato era de tal forma intenso que Vitalina, minha avó, afirmou categoricamente tratar-se da "catinga do Tinhoso" a anunciar sua chegada.
Eu, que nunca tinha encarado o Capeta olho no olho, confesso que de dentro do imaginário realista mágico dos meus doze anos passei a nutrir uma mórbida curiosidade quanto a sua aparência. Ao perceber este súbito interesse, vó Vitalina deu de defumar a rua e os seus buracos com ervas, alho e sal.
A sua convicção de que o Pai da Mentira emergeria das profundezas da Terra era tanta que logo arregimentou algumas amigas, rezadeiras poderosas, para juntas iniciarem uma vigília na boca do extenso buraco que, como uma serpente infernal, se dirigia ao imponente Palácio da Guanabara.
Quando o seu plantão na vigília era interrompido para o almoço, Vitalina aproveitava a ocasião para me dar maiores esclarecimentos sobre as artimanhas e nomes adotados pelo Senhor das Trevas, desde que o mundo é mundo. E foi entre garfadas de bife e batata frita que vim a saber que o tal Coisa-Ruim se chamou Nero, Calígula, Franco, Mussolini, Hitler, Salazar...e até Pilatos.
Das artimanhas de Belzebu, Vitalina narrou o estranho poder que ele tinha de provocar intrigas, delações, injustiças, pestes e feiúra.
As injustiças, delações e pestes eu já tinha presenciado nas ventas do buraco: o pai de minha amiga Vânia, um historiador amante de Marx, foi despedido do emprego da noite para o dia; o almirante que morava no quinto andar, inimigo número um das crianças e adolescentes do prédio, foi eleito síndico numa assembléia muito suspeita; e um surto de hepatite atingiu quase todos nós.
Sim, eu mesma já podia sentir na carne os primeiros sinais "visíveis" da devastação que viria pela frente...Não sei se pelo medo do Rabudo (que a essa altura eu já não queria conhecer) ou mesmo pela hepatite, o corpo e a alma amarelaram. E amarelaram tanto que acabaram amarelando toda a casa.
Meu pai, amante dos discursos inflamados e fiel defensor dos pobres e oprimidos, deu de falar baixo, deu de esconder os seus preciosos livros e a sobressaltar-se a cada toque da campainha.
O gás exalado pelo buraco da rua acabou chegando ao oitavo andar do prédio e me apresentando o primeiro suicida, a primeira vítima do Mofento. Se não tivesse passado quarenta anos, certamente eu ainda saberia o nome do morador bonito e calado, do 802, e ainda tremeria pela minha transgressão e bravura de ter roubado o volume Obras Escolhidas de Pablo Neruda, que solitário jazia no chão, abaixo do corpo a balançar amarrado ao lustre e marcado por um lacônico bilhete - que a polícia nunca leu - em que se lia: Confesso Que Vivi.
Quando a rua Paissandu foi tomada por militares no final de março de 1964, não me surpreendi. Vitalina já havia me alertado para a chegada do Senhor das Trevas.





Obs : hoje, passados tantos anos, no dia em que Nova Friburgo, a cidade que escolhi para morar, comemora seus cento e tantos anos de existência, constato que o Tinhoso continua a exalar fedor (e atos) pelas pequenas e grandes cidades do meu país. Hoje, 16 de maio de 2009, o jornal da nossa cidade foi vilmente obrigado a podar, castrar, impedir, calar as palavras de um jovem cronista, escritor e filho muito querido, cujo crime consistiu em criticar um aumento abusivo acontecido na cidade. De mãos atadas, o jornal A Voz da Serra silenciou a fala do poeta. Até quando viveremos sob o fedor da intolerância e ditadura do vil capital que sem usar armas consegue ser mais letal que a própria Mortíssima?





obs2: na foto, Daniel e Ronaldo.



quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Poty & O Pote

No fundo do jardim, um pote
de barro.
Lama que babava em dedos
enfiados,
escorregados numa trilha
de vacas e bois.
Cheiro de terra, estrume
e água.
No fundo do precipício, um rio
plácido, musguento,
sonolento de piabas.
Um rio pote
de sucuris douradas.
Sem começo nem fim,
sem vazio nem cheio.
Lá no fim onde canoas
boiavam estacionadas
aprendi a nadar canina,
quase afogada.
Do fundo da água pesada
em meio a bolhas
galhos
cipós
e areia
o rio se disse chamar Poty.
Ouvi, por ti.
E por mim Poty se fez meu
como um dia se fez para o Piauí
e para a sucuri que quase me comeu.



obs: esta história é verdadeira. Passei minha infância no Piauí, em Teresina, numa fazenda chamada Primavera. O Poty a atravessava. Majestoso ele caçoava da majestade da nossa casa empoleirada no cocoroco de um monte. De lá de baixo ele nos observava. Soberbo, matreiro, silencioso, ronronante como um tigre de Bengala. Para chegar até ele eu cruzava o jardim e descia por uma trilha de barro que dava num platô onde ficava a vacaria. Depois de ver Esperança, minha zebu mosquenta, era só descer mais um pouco e, lá na beira, ele me recebia rindo da minha figura bizarra,vestida num maiô com um ridículo babadinho. Levou algum tempo para que travássemos amizade, mas no fim, depois de me salvar de um afogamento (a sucuri fica por conta da minha fértil imaginação), ficamos amigos até debaixo d'água. E como amigo a gente não abandona nas horas difíceis (nem prazerosas), peço a todos que olhem para o Poty, para o Piauí e para aquela gente bonita que lá mora e os ajudem.
obs²: na foto estou eu, tia Nazir segurando meu primo, Carlos Augusto Vinhais, tia Nazair abraçando a mim e a Guilherme Cavalcante de Mello, meu primo. Não éramos bonitinhos? Ah, a foto foi tirada na fazenda Primavera.







sábado, 2 de maio de 2009

Aparecidas aparecências

Se não fossem mulheres, não "apareciam". Decerto enviariam mensageiros para anunciar a sua chegada ou criariam algum pretexto para aparecer. Não boiariam em águas profundas, não mergulhariam em charcos, não habitariam grutas nem vagariam por regiões áridas a semear rosas. Surgiriam na marra, à frente de batalhões ou de algum dragão decapitado.

Se não fossem mulheres, decerto apareceriam só para parecer. Por exibição ou por umbigo não cortado, girariam as próprias células em torno do si: mesmo, idêntico, imutável.

Mas como eram elas e não eram eles, deram de aparecer em santidade quântica. Por pura aparecência se espalharam por grotas, oceanos, rios, lagos, janelas e charcos. Em silêncio. Sem alarde. Por gosto muito além da língua e do paladar.

E foram mastigadas em comunhão profana por toda ela outra que aparecia. Em princípio eterno, sem Verbo e ponto final, abraçaram o mundo em santíssima reticência.

obs: se você gostou desta minha/nossa SANTÍSSIMA, dê uma olhadinha no meu livro Senhoras do Santíssimo Feminino, publicado pela Editora Rosa dos Tempos (do Grupo Record ), onde muitas outras Santíssimas esperam loucas para aparecer e contar histórias.

Chet

Chet

Home Sweet Home

Home Sweet Home
Que buraco é esse que me faz comer a geladeira?

Livros & Livrarias

Livros & Livrarias
Livrarias são janelas. Livros olham o mundo.Livrarias libertam. Livros revolucionam.

Senhoras do Santíssimo Feminino

Senhoras do Santíssimo Feminino
O poder sagrado Delas.

A Pergunta de Lacan

A Pergunta de Lacan
O mistério do gozo das mulheres

Afrodite & Panelas

Afrodite & Panelas
E no princípio era a GULA...

A Casa

A Casa
O mundo olha pelas nossas janelas...

Um Lance de Dados

Um Lance de Dados
Jamais abolirá o acaso

O Caldeirão

O Caldeirão
Ele não está no final do arco-íris

Armário e Gavetas

Armário e Gavetas
O que será que eles revelam?

Minha Cozinha

Minha Cozinha
Onde tudo começou.

Meus Segredos

Meus Segredos
Laços e refogados culinários

Nossas Luas

Nossas Luas
E são treze...

Seduções & Devaneios

Seduções & Devaneios
Eu o escreveria mil vezes!

Guadalupe, a Santíssima Mestiça

Guadalupe, a Santíssima Mestiça
Como amei descrevê-la!

Amor e Cozinha

Amor e Cozinha
Foi uma delícia escrevê-lo!