quinta-feira, 26 de junho de 2008

Parcus Tristes



Porcus tristes. Amei a expressão e troquei o ‘o’ pelo ‘a’, para torná-la mais de acordo com o mundo tristíssimo em que vivemos. Um mundinho careta, abominavelmente comprometido com as falcatruas, as ignomínias e o desamor.
Ah, parcus tristes, como foi que a humanidade foi parar no esgoto e não se deu conta? Por que continuas a me olhar com esses olhões de vaca triste? Por que o teu leite tem o gosto das lágrimas e tua carne, o sangue da violação?
Por que te tornaste um sacrifício estéril e nem as virgens te honram? Por que tanta paura e solidão no trabalho das tuas parcas irmãs?
Por que a agulha, a tesoura, e o tear delas já não norteiam os homens e inspiram os poetas?
Ah!, parcus tristes, por que emagreceste e te tornaste um esqueleto que assusta as noites e enegrece os dias? Por que já não habitas os confins do Egeu, junto aos lamentos e uivos do homem? Por que assumiste o lugar de Eros? Por que trancafiaste o pequeno deus?
Por que viraste uma afirmação sem perguntas que insiste em não me ouvir?
Agora os tempos são de Parcus Tristes - o deus que o homem, em sua insensatez, elegeu como guardião.

terça-feira, 24 de junho de 2008

A Arruda e a Ruta Graveolens


Dona Belinha é a pessoa mais sábia que conheço. Nunca saiu de Friburgo, não passou do ginásio e muito menos leu Sócrates. O seu conhecimento não percorreu os corredores das universidades nem as páginas dos livros. Saber genuíno, visceral, integro, digno. Não possui a arrogância dos "cultos" nem o pavonismo dos deslumbrados. É um saber matuto, humilde, delicado e receptivo. Não se aborrece com o outro nem disputa palitinhos com este. Recebe o mundo de braços abertos e sempre tem um sorriso para consolar os aflitos. Não é televisível (a humildade não combina com as telas), não é colunável... É bojudo e pleno como um domingo de sol, carinhoso como o afago de um filho, gentil como o laçado do tricô de uma velha. Nunca deu cursos e fica vexada quando lhe pedem para que ensine. Quando a conheci lhe pedi que me ensinasse. Me conduziu então a sua cozinha e serviu-me café com broa de milho. Falou-me dos netos, bisnetos, e dos seus tempos de mocinha. Perguntou-me sobre a minha vida. Quis saber os nomes que dela fazem parte. A tarde transcorreu entre lembranças e sonhos. Quando sai, percebi que tinha aprendido a lição do mundo. Desde então ficamos amigas. Trocamos sonhos, costuramos idéias e bordamos caminhos. Vez por outra por lá aparecem outras amigas e juntas colhemos ervas, criamos perfumes, cozinhamos xaropes e unguentos. Belinha ri quando chamo a arruda de "ruta graveolens". Perto dela o conhecimento acadêmico vira um menino vaidoso e sem sentido...

Nair e Apuleio


Nair partiu para o outro lado sem ter conhecido as artimanhas do amor. Morreu quando ainda era uma menina, uma mocinha que adorava bailar sobre os patins. Um dia rodopiou tanto, que vazou o mundo dos vivos e foi parar lá pelas bandas do Rio Letes. Ficou amiga dos deuses e dos semideuses que escreveram sobre eles. Conheceu o amor pela voz de Apuleio. Ficou tão impressionada, que procurou Eros e Psique para "passar a limpo" a história que o autor tinha escrito sobre o romance dos dois. O casal confirmou cada palavra. Quando Eros me flechou pela primeira vez, Nair recomendou-me Apuleio.
Texto extraído de meu livro Amor se Faz na Cozinha, publicado pela Editora Bertrand

terça-feira, 17 de junho de 2008

Uma Gata Absíntica

Rachel amava os gatos
e a vida.
Odiava os medíocres.
Com esses era ranzinza,
impaciente e ... implacável,
por que não?
"De noite vira bruxa",
diziam os vizinhos.
Rachel ria e bebia absinto.
Absíntica, enigmática,
tão maníaca por mitos
que beirava a mitomania.
De tanto amar os gatos
acabou virando uma...
gata.
Revirava latas de caviar
e lambia lascas de camembert.
Uma gata de gosto
fino,
sutil,
refinado.
Um dia subiu no telhado
com o violino
e o cálice de absinto.
Abriu os braços,
esticou a coluna,
arrepiou os pêlos
fechou os olhos
e parou o coração.
Num salto mortal se foi
para o outro lado do mundo.
Sem vassoura
atravessou a lua
virou uma estrela.

Rachel Melamet era uma gata. Uma amiga gata que deixou de miar nos telhados daqui da Terra porque Deus (sempre Ele) a chamou... no cio.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Honesty

Dá-se uma chance.
Quem a conhece?
Como reconhecê-la?
Chances.
São tantas...
Podem estar
num viés de aspas
num ponto e vírgula,
numa reticência...
É só procurar.
E... tomar uma atitude.
Pequena,
milimétrica,

depende de quem precisa de
uma chance de
vestir-se de novo de
humanidade de
gente de
bem.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Advogados, Santos e Guevara


Dr. Plínio Marcos Pinheiro da Silva, o São Plínio daqui de casa, despontou na minha vida muito antes que o conhecesse e o canonizasse. Confesso; canonizei-o sem consultar Roma nem o bispo da cidade. Fui direto a Deus, dispensei intermediários e não apresentei provas de nenhum milagre. Deus, por onisciência ou bisbilhotice celeste, já conhecia os milagres do santo e acatou a santidade. Eu devia ter desconfiado de tamanha presteza. Devia ter desconfiado que Deus esconde sempre uma carta no bolso...
Conheci São Plínio quando eu era criança e ele nem desconfiava da minha existência. À época, ele morava no fogo do olhar de Sobral Pinto, o vizinho advogado e amigo de ranzinzices de Vita, minha avó. "É fogo da justiça", vovó me disse no dia que perguntei e quis saber se queimava. "Queima só os injustos; os justos, ele aquece", ela respondeu com ares de sabedoria.
Vita canonizou São Sobral Pinto quando avistou, lá da Rua Pereira da Silva, os canhões subindo pela rua Paissandu e invadindo o Palácio da Guanabara. Canonização de emergência. Sem pompas. Sem comunicar a Deus. "O Bisbilhoteiro já está careca de saber das artes santas do doutor Sobral", Vita me disse apressada enquanto distribuía os cartõezinhos do vizinho para algumas mães que choravam o desaparecimento dos filhos, engolidos pela metálica goela de um gigantesco tanque verde-oliva, estacionado de costas para a baía da Guanabara e de frente para um mar de estudantes.
O Direito, ou "sacerdócio dos justos e corretos... tão poucos" - como um dia me revelou o professor Roberto Lyra, jurista amigo de meu pai que de tão muita justeza e corretice me convenveu a não canonizar o próprio pai para não recair em nepotismo aos olhos de Deus -, fazia parte da minha vida como o sol que nascia todas as manhãs, o mar do Flamengo a se encrespar tímido em imperceptíveis ondas, o pimentão com açúcar saboreado às escondidas, os trabalhos de matemática exigidos na escola e as multiplíssimas pessoas que por mim passavam todos os dias.
Por artes da hermenêutica ou por operação geométrica da mais pura matemática, naquele tempo o pouco contava mais que o muito e as injustiças eram combatidas pelos salmos do Processo Civel e Processo Penal. Pelo comprometimento com a retidão e pela sensibilidade com a dor (e as posses) do cliente. Honorários? Esses eram marxísticamente equilibrados: os ricos pagavam em gorduras que não lhes faziam falta e os pobres, com esperança, galinhas do quintal, couve da horta, broa de milho "assada pela patroa" e a palavra (naquele tempo ela valia) de que acertariam as contas quando tudo melhorasse. Invariavelmente, por ímpetos são jorgísticos ou por puro deleite de Deus, as coisas melhoravam e as contas eram acertadas.
Eu devia ter desconfiado do jogo obscuro do Divino Jogador quando Roberto Lyra se foi, seguido por Sobral Pinto, Heleno Fragoso e os tantos poucos que partiram. Eu devia ter desconfiado quando a mente clara de meu pai turvou-se pela sombra das asas negras do mensageiro Alzheimer. Mas como pimenta nos olhos do outro é refresco e ainda não havia pingado nos meus, chorei os mortos e segui minha vida sem me dar conta de que o Jogador tramava novas cartadas...
Foi então, no dia em que um inventário nos pegou de surpresa, com a rede armada para os ilícitos que quase sempre acompanham as partilhas, que me vi, junto com minha família, ardida pela mais poderosa pimenta. Os santos, aqueles santos de carne e osso que certamente nos socorreriam já não estavam presentes. Nossos bolsos - como os bolsos de todos aqueles que optam pela trilha da Arte, da Cultura e da Solidez da Honestidade e Dignidade Humanas - estavam vazios e os honorários dos tantos muitos eram muito caros. Foi assim que surgiu o Dr Plinio Marcos Pinheiro da Silva, que assumiu nosso caso e por ele batalhou como só São Jorge (e outros tão poucos) batalharia. Indignou-se quando os muitos da outra parte nos lançaram as mais torpes acusações, revirou seu estômago guevarista quando os muitos da outra parte - tentando anular a voz da juíza que nos dera a inventariança - alegaram que nosso "estado lamentável de pobreza" nos tornava futuros ladrões. Foi nessa reviravolta estomacal que reparei que seu amor pelas motocicletas e pela justica tinha um padroeiro: São Che Guevara.
O tempo passou entre agravos de instrumento, petições, prestações de contas não prestadas, processos apensados e recursos - nem sempre fiéis à justiça - dos muitos da outra parte. São Plínio em momento algum vacilou em sua fé por nossa verdade e com sua lança de fogo nos protegeu como se fôssemos seus próprios filhos.
Não sei se por prole incomensuravelmente enorme (não era só a nós que ele defendia) que exauria suas forças, ou pelo jogo obscuro de Deus, certo dia São Plínio deu de definhar e definhar e definhar e definhar e foi definhando. Mesmo com o corpo agonizante ainda encontrou forças para digitar uma petição, pedindo à juíza um prazo de suspenção do andamento do processo. "Sobrestamento; um tempo para vocês encontrarem um dos muito poucos", ele me disse num telefonema.
Como São Plínio era um santo canonizado pelo coração do povo e o amor dos mais fracos, deu-se um milagre: do nada, do outro lado do fio do telefone, surgiu a Drª Ana Michelle Lula, nossa nova advogada, devidamente canonizada. E como o poder de santo guevarista é mais veloz que a mais poderosa motocicleta, não contente por nos ter apontado Santa Ana Michelle, São Plínio nos acenou com a certeza de que embora poucos, os muito poucos ainda transitam pelos corredores dos fóruns e pelas praças que são do povo como o céu é do condor: por vias também santificadas fez com que Angela Dutra de Menezes, uma grande amiga escritora, me apresentasse o Dr Wagner Brito, advogado, devidamente canonizado.
Não sei se pela doença que já o enfraquecera o bastante, ou pela pressa de entrar no jogo obscuro de Deus, São Plinio partiu como os outros muito poucos que eu conhecera. Pelos anos de convívio com tal alma guevarista que só acelerava a motocicleta nas horas de necessitadíssima justiça, compreendi as regras do jogo obscuro de Deus e vi a carta guardada no bolso: Ele, o Onisciente, o Criador de tudo, está selecionando os bons advogados que O assessorem no dia do Juízo Final...



Este texto foi escrito para um dos melhores advogados e seres humanos do mundo: Plínio Marcos Pinheiro da Silva, que passou pela vida com tal dignidade que em sua breve passagem por este mundão de Deus (e do Diabo), fez o mundo respirar mais JUSTO.

Chet

Chet

Home Sweet Home

Home Sweet Home
Que buraco é esse que me faz comer a geladeira?

Livros & Livrarias

Livros & Livrarias
Livrarias são janelas. Livros olham o mundo.Livrarias libertam. Livros revolucionam.

Senhoras do Santíssimo Feminino

Senhoras do Santíssimo Feminino
O poder sagrado Delas.

A Pergunta de Lacan

A Pergunta de Lacan
O mistério do gozo das mulheres

Afrodite & Panelas

Afrodite & Panelas
E no princípio era a GULA...

A Casa

A Casa
O mundo olha pelas nossas janelas...

Um Lance de Dados

Um Lance de Dados
Jamais abolirá o acaso

O Caldeirão

O Caldeirão
Ele não está no final do arco-íris

Armário e Gavetas

Armário e Gavetas
O que será que eles revelam?

Minha Cozinha

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Onde tudo começou.

Meus Segredos

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Laços e refogados culinários

Nossas Luas

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E são treze...

Seduções & Devaneios

Seduções & Devaneios
Eu o escreveria mil vezes!

Guadalupe, a Santíssima Mestiça

Guadalupe, a Santíssima Mestiça
Como amei descrevê-la!

Amor e Cozinha

Amor e Cozinha
Foi uma delícia escrevê-lo!