quinta-feira, 31 de julho de 2008

Sincréticas Avós


Vitalina dizia que "não há impossível que não se realize com uma boa receita". A sua convicção era tanta que, quando ouvia alguém reclamando de que algo não corria bem, ela dava um profundo suspiro, fechava os olhos por alguns segundos e depois surpreendia o aflito, dando-lhe algumas de suas receitas, que iam dos "Quiabos da Felicidade" às "batatas do Dinheiro".

Virgínia, por sua vez, não era tão eclética com as receitas e achava que "não há mal que não se cure com um doce", conforme ela mesma dizia. Acreditava tanto nessa máxima que ela me parece ter sido a única avó a substituir a tradicional canja dos convalescentes por arroz-doce.

Confesso que na infância fui seduzida pela magia de Virgínia e que muitas vezes inventei dores em troca do seu famoso pudim de pão, ou de uma farta fatia de pudim do céu.

Embora poderosas e eficazes, as magias não eram iguais. A magia de Vitalina, pagã por natureza e coração, era mais explícita e desprovida de qualquer culpa cristã ( o seu famoso vinho de Eros que o diga...). Já a de Virgínia, católica e fervorosa devota de Maria, era menos envolvida com a gula da carne e mais voltada para as transcendências ( ela dizia que "as santas, os santos e os anjos não gostam de muitas intimidades"). Apesar de tão diferentes, o engraçado é que as duas formavam um perfeito equilíbrio que só entendi muitos anos mais tarde, quando estudei o maravilhoso sincretismo religioso que acontece no Brasil...
Texto extraído do meu livro "A Casa da Bruxa", publicado pela Editora Planeta
as receitas estão lá...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Relapsos Diários

Relapsos Diários Para a Juventude
ou
Como Viver Na Corda Bamba Em 10 Lições


Escrever não é nada tão lindo para mim. É uma mistura de amor e horror. É me achar e me perder ao mesmo tempo. Volto pra casa, e me distancio do mundo dentro de uma boca negra e sem dentes.
Dei um nome pra isso. Sou um Maníaco-Depressivo Literário. Meu comportamento em relação ao que faço oscila entre a auto-adulação aguda e a mais profunda subestimação. As vezes tudo está perfeito, e as vezes tudo está errado. Ainda não sei se me encaixo no Top Ten ou no Under Ten. É, escrever é mais carnal do que se possa pensar. Gostaria de ter estabilidade em relação ao meu ponto de vista.
MEU EGO

é uma infinidade de pequenos Danieis
que correm e me matam.
Meu ego é uma horrível múltipla escolha.
Eu gostaria de pelo menos poder ser Byron.
agora é o momento pra um poema, não é?
Ah, vai se foder!


Único fato: Eu nunca estou a altura de mim mesmo. E por mais que tente, tudo o que consigo ser é alguma outra pessoa. BURNIN' IN HELL? WHAT CAN I TELL?

o DIA após o NATAL. O DIA DE NATAL. the night before christmas. sempre um jantar e umas risadas e umas horas a gastar e o natal não abre a boca pra porra nenhuma. é o que eu vejo pela janela. o dia de natal. e porra nenhuma. ainda tem algumas sobras da night before christmas. um milhão de pessoas e sobras. AH! SOMOS SOBRAS DE NATAL, DE QUALQUER MANEIRA. COMO SOBRAS DE GUERRA. DESPEDAÇADAS. MISSAS DO GALO E PERUS ENFURNADOS NOS FORNOS DA FAMÍLIA OCIDENTAL. O NATAL OCIDENTAL. O HOMICÍDIO ORIENTAL.

Uma vez eu subi num PALCO. Uma noite iluminada de um festival literário, recheada por poemas divididos em ESTROFES SIMÉTRICAS e estudantes adolescentes carregando pais e avôs. Mas eu era tímido, novo e esperto demais pra me apresentar pra uma multidão de FAMÍLIAS ÁVIDAS POR SANGUE. Um moleque qualquer leu o poema no meu lugar. Não era nada demais, uma nojeira empolada sobre Vlad Tepes, na época em que eu pensava estar polido em cima de Notredame. O garoto arruinou com a poesia. Mas FODA-SE, o poema já era ARRUINADO por si só.

Regra número 1: escreva e fale para si mesmo. mas nunca fale para outrem o que você escreve para si mesmo. fale para outrem o que você não fala para si mesmo. fale para si mesmo o que você não fala para outrem. escreva o que não é escrito, fale o que não é falado. e deixe eles pensarem o contrário.

Sou um escritor ou um malabarista?

gostaria de poder girar malabares da mesma forma que giro palavras. poderia fazer um circo e tanto.

Espero on line pelo resultado de todas as provas finais que fui obrigado a fazer na faculdade. Qual dentre tantos urubus solenes de garras manchadas por chocolate derretido e uma trilha de bombons em seu caminho irá me presentear com uma reprovação? Eu tenho uma infinidade de opções. Suas lógicas jurídicas os levam à belíssima conclusão de que eu sou um resíduo tóxico, um delinqüente pós-juvenil agonizando pelos corredores universitários e com todo o lixo cósmico do universo flutuando pelas órbitas de uma cabeça vazia, alguém a se trucidar com reprovações e repreensões. É claro que nenhum deles jamais entrou no meu site. Talvez se entrassem...sua lógica seria reforçada ainda mais. ha,ha,ha.

ha, ha, ha é o caralho.

As férias não foram feitas pra se pensar em universidades ou em universos, o que no fim das contas dá no mesmo.
regra número dois: deixe que eles pensem que você está pensando. e sempre pense o que eles não estão pensando que você está pensando. se for para expelir pensamentos alheios, não pense, seja burro. essa será a atitude mais sábia a se tomar.

O dia: cinzento. molhado. escorrendo pelos cantos escuros de um céu dormindo. caindo no meu quintal como um presente aberto e sem surpresas. aviões despedaçados atrás das montanhas e televisores. O dia: hoje. sábado pela manhã. 4 de janeiro. e o tempo correndo em círculos numa grandiosa e brilhante circunferência de mortes e infâncias perdidas. perdidas ao longo do caminho metálico do progresso. hoje eu estou teclando na frente do computador e uma pessoa varre a chuva da rua e tudo está bem dentro do silêncio.

Termino o meu segundo romance e posso ver que ele irá passar das 150 páginas que eu desejava. Estou na 142 e ainda existem coisas a serem esclarecidas. Não sei se ele será tão bom para os outros como é para mim e não sei se ele é tão bom para mim quanto será para os outros. As idéias do final se misturam com as idéias do começo. O começo do terceiro romance. Existem muitos romances por aí, e eu só faço a minha parte...

Decidi ser um desgarrado de ideologias e comportamentos.


Me decepcionei com todas as tribos. No fundo todos eles são um bando de idiotas e bundinhas perfumadas.

A galera da zueira é superficial demais. E acha qualquer tipo de sopro de vida dentro de um cerebelo uma verdadeira perda de tempo, uma grandessíssima chatice. Eles não sabem porra nenhuma, nem mesmo trocar as próprias fraldas. Vão acabar virando um amontoado de merda cor-de-rosa cheirando a chiclete mastigado. São tão imbecis a ponto de ostentar a imbecilidade.

A galera intelectual é metidinha demais. Se acham uns refinados. E se aproximam da "arte" a ARTE que eles fazem biquinho para pronunciar, não porque gostem de ler ou de escrever ou de ouvir um som ou de tirar um som, mas usam esse tipo de coisa apenas para exibir um statusZINHO imbecil. Eternos críticos. São escritores não para escrever mas para dizer que escrevem. Admiram determinado escritor não porque sentem no fundo de suas tripas de merda as palavras escritas que ele imortalizou, mas apenas porque é "CULT" (blearg...) e AVANT GARD. No momento em que o povo começa a escutar o que o tal intelectualzinho está dizendo e a admirar também o seu escritor preferido, ele fica fulo da vida pelo fato do seu ídolo ter caído no gosto geral. Ora, meu caro, você não gostava do sujeito? Devia estar feliz por ele estar se popularizando... Ou será que você só gostava do CULT que ele lhe proporcionava? se quer saber... VAI TOMAR NO CULT!

Me decepcionei com todos eles. Ninguém é sincero e todos se escondem atrás de pequenas auto-afirmações. Isso me faz bocejar mais do que qualquer aula de matemática que eu já tenha freqüentado.

Regra número três:
Se puder
seja um desgarrado.
As garras esmaltadas das iaras
e sereias
cibernéticas
rasgam fundo
e desfiam
almas.
por isso que eu vejo filmes de terror vagabundos e sangrentos
mesmo que os refinados digam BLEARG...
por isso que eu leio Dostoieviski
e Cortázar
mesmo que os zueiros digam BLEARG...
porque HENRY & FRANK
MILLER
falam a mesma língua.
e eu falo a minha língua.


Texto de Daniel Frazão, extraído de seu site, http://www.beatbblearg.hpg.com.br/ Vale a pena dar um pulinho lá e conhecê-lo. O site é belíssimo.


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Não Quero Ser John Malcovich




Não quero ser John Malcovich.


Prefiro ser Antonio Cicero.


Se soubesse do meu desejo


Cicero soltaria uma gargalhada,


me mandaria plantar batatas


e ser eu mesma.


Malcovich é só um americano


com síndrome de europeu.


Cicero é universal.


Sem síndrome.


terça-feira, 1 de julho de 2008

Casa, Física & Polegares

Quando saía de casa, Vitalina carregava com ela a casa. E de nada adiantava tentar convencê-la do excesso de carga, porque ela não escutava. Simplesmente trancava os ouvidos e balançava os ombros com desdém, lançando a quem lhe aconselhava o mesmo olhar que dirigia aos estúpidos. "Onde já se viu deixar a casa em casa?", perguntava com ar de reprovação. Ao conselheiro restava o silêncio e, na medida das hipóteses, a resignação de ajudá-la a carregar a sacola...
Certa vez, um conselheiro mais intrépido, recém-saído de um curso de Física, bem que tentou demonstrar a impossibilidade "física" do deslocamento das casas pela cidade. Vitalina, que naquele dia estava na posse do seu melhor humor ( ou quem sabe interessada nas leis da Física ), deixou que o pobre infeliz traçasse uma profusão de cálculos, retas, curvas, pontilhados, vetores e incógnitas sobre pilhas de papel.
Ao chegar na última folha, após uma exaustiva exposição do deslocamento da massa no espaço, o físico arrematou os cálculos com um pomposo resultado: IMPOSSÍVEL! Vitalina ficou por momentos em silêncio, rodando os polegares em direções opostas. Eu, que já conhecia o trajeto desses dedos e sabia muito bem aonde eles podiam chegar, bem que tentei impedir o desfecho, convidando o físico para conhecer as gardênias que acabavam de florescer. Mas os homens de ciência são teimosos e entre gardênias e definições sempre optam pelas últimas. Assim ele preferiu se agarrar aos seus cálculos e fechar os olhos para o trajeto assimétrico da curva dos polegares.
Se ele tivesse prestado atenção no movimento dos dedos de Vitalina, não ficaria tão espantado com a resposta que ela deu aos seus cálculos. Se pelo menos tivesse medido a trajetória e o ritmo daquelas curvas, não teria ficado com cara de tolo ao ouvir sua resposta. Ah, se ele tivesse apreendido aquele instante em que as curvas, dando um rodopio no tempo e no espaço, cessaram o movimento com movimento e pararam em lugar nenhum, isso o impediria de expor a face da burrice quando ela, categórica, lhe disse: "Onde já se viu deixar a casa em casa!"
Depois dessa resposta, Vitalina virou de costas e foi preparar a casa para um passeio. Na bolsa guardou o banheiro, o quarto e a sala. Na gola do vestido pregou a cozinha com um broche. No bolso da saia abrigou o quintal e os móveis. Abriu as janelas por detrás dos olhos e escancarou as portas do coração. Não levou chaves. Não trancou recintos.
Texto extraído de meu livro A Casa da Bruxa, publicado pela Editora Planeta.

Chet

Chet

Home Sweet Home

Home Sweet Home
Que buraco é esse que me faz comer a geladeira?

Livros & Livrarias

Livros & Livrarias
Livrarias são janelas. Livros olham o mundo.Livrarias libertam. Livros revolucionam.

Senhoras do Santíssimo Feminino

Senhoras do Santíssimo Feminino
O poder sagrado Delas.

A Pergunta de Lacan

A Pergunta de Lacan
O mistério do gozo das mulheres

Afrodite & Panelas

Afrodite & Panelas
E no princípio era a GULA...

A Casa

A Casa
O mundo olha pelas nossas janelas...

Um Lance de Dados

Um Lance de Dados
Jamais abolirá o acaso

O Caldeirão

O Caldeirão
Ele não está no final do arco-íris

Armário e Gavetas

Armário e Gavetas
O que será que eles revelam?

Minha Cozinha

Minha Cozinha
Onde tudo começou.

Meus Segredos

Meus Segredos
Laços e refogados culinários

Nossas Luas

Nossas Luas
E são treze...

Seduções & Devaneios

Seduções & Devaneios
Eu o escreveria mil vezes!

Guadalupe, a Santíssima Mestiça

Guadalupe, a Santíssima Mestiça
Como amei descrevê-la!

Amor e Cozinha

Amor e Cozinha
Foi uma delícia escrevê-lo!