segunda-feira, 3 de março de 2008

Coração Materno








Tenho 24 anos e não tenho asas. Talvez não seja um anjo. Talvez eu não possa voar. Mas eu as vejo, como anjos de seda bailando no concreto e no amor, gotejando lágrimas na chuva, um rastro de calor abaixo do sol de verão. Essas mulheres que caminham por aí sem nenhum destino, traçando destinos, feito Moiras de plástico, cruzam os olhares dos vagabundos de botequim, e deixam uma trilha de corações partidos que as segue para onde quer que vão. Caio de joelhos sobre o chão borbulhante e entrego a minha alma em suas mãos, e ela a faz em pedaços. Um sorriso que destrói a noite. Um piscar de olhos que faz poesia nos ventos vadios.

mulheres
mulheres

conjurando amores e perdas
abaixo de um véu de esquinas
que as envolvem
e as adoram
adornando a perfeição
que assombra o verão.
Observei ela passar por mim, buscando uma coragem fugidia que me fizesse pisotear a rua. Eu não sei o seu nome, ou que horas são. Perdi o ônibus. E me perdi dentro de uma aparição. TESÃO. Tento escrever um final, mas não existem finais ao longo do infinito que ela traça pela estrada com o seu esmalte descascado. Assina com batom o seu nome no espelho. Os banheiros públicos lhe dão a vida eterna. E eu vejo um milhão de viciados tombados ao longo das latrinas, escondendo a vergonha dentro de esquecimentos, que jamais esquecem o nome dela. O nome dela. O nome dela. Só o nome dela, nadando no esquecimento. Talvez Laura. Talvez Maria. Talvez Ana. Talvez Demeter. Eu a procuro dentro da minha caderneta de endereços. Ela é um sorriso
e desdém.

Toque-as
Beije-as
brinque com o seu abandono.
brinque com os seus beijos
como o oceano brinca com as ondas.
Elas possuem o mar
e todas as vidas perdidas.

Amores de segundo grau amadurecendo no fundo de porões obscuros, e boletins escolares rabiscados com declarações de amor que atravessam a eternidade sem olhar para trás. Uma fotografia de formatura. Uma deusa-demônio de quinze anos, assolada com o passar do tempo que esvoaça os seus cabelos. O futuro é grisalho, grisalho como o presente. E o presente que ele nunca teve coragem de entregar, ainda espera pelo jantar. E uma dedicatória de uma linha só. Ela povoa as imaginações.


Tenho vinte e quatro anos e amo as garotas. Amo todas as deusas. Amo todos os demônios. Amo os dedos sujos de esmalte desfilando pelos meus cabelos e me fazendo perder o previsível. Elas me dão o telefone e depois vão embora, sumindo dentro do vasto mundo perdido além da próxima esquina. E vejo os semblantes por onde quer que eu passe. Choro nos intervalos das aulas. E elas mudam o penteado.



A morte aos seus pés
sem saber o que dizer.

Os caras perguntam os seus nomes e elas seguem em frente, deixando todo mundo sem resposta, estilhaçando vitrines com as suas tendências de verão. Os poetas as seguem, farejando migalhas de amor esparramadas pelo chão, Shakespeare pelas pegadas. E eu enxergo anjos caminhando no shopping center, dizendo coisas que eu jamais vou sonhar em dizer, proclamando a insanidade que as fazem voar. Elas possuem a arte e possuem a sorte e constroem reinos dentro de sonhos alheios e fazem pesadelos suarem. E molham todos os sonhos.

Imagens molhadas.

Mulheres do cotidiano, sempre sorrindo para a dor, como se não dessem a mínima. Curvas vivas de mármore que fazem sinal para o ônibus e ignoram os olhares, e estendem os anseios para o céu azul que deita sobre elas como um amante de cinema mudo. Um NÃO passeando livre pela tarde. Eu digo sim. E os caras abatidos por seus olhares dizem sim. E eu pergunto o seu nome. E ela me diz para escolher. E eu sorrio. Como um ridículo poeta de fim de comédia. E fico com raiva de mim mesmo e faço em pedaços todas as páginas de merda que escrevi enquanto ela pedia o refrigerante dietético sem olhar para os lados. Anjos que se cobrem em abraços. Não. Elas não são anjos. São mulheres. E qualquer marmanjo acaba se tornando um Shakespeare na varanda das casas das meninas. Enquanto os pais abrem a porta e me mandam pastar em outra vizinhança. Olho para cima, para o segundo andar, e noto que a luz do quarto está acesa. Escuto ela perguntar "quem era?" E o brutamontes dizer "ninguém". Ela põe uma canção de amor para tocar, que nunca termina de escutar.


Qualquer Zé Mané se torna um Shakespeare na varanda da sua casa. Ela sabe disso. E jamais diz adeus.

Porque Deus
é dela.

E todos os deuses que ela coleciona
estão guardados no armário
junto com os bichinhos de pelúcia.

E eu tenho um milhão de perdas dentro de cada conquista. E assim as poesias fazem ninhos abandonados no topo das árvores e das chaminés. E os olhos das meninas passeiam por túneis de almas perfuradas e os sujeitos derrotados sorriem como bobos. E todos eles são sábios nas derrotas. E eles tocam o céu. E eles tomam mais um gole. E eles sorriem para a tarde malévola que os presenteou com mais um minuto sobre a terra. Assoviam para a garota que passa na outra calçada.

Cruzo a esquina, pergunto que horas são, o cara me responde com sobriedade nos lábios. Observo sombras se afastando com a tarde que vai embora e se torna uma face vermelha sobre os telhados. Ela foi embora, eu penso enquanto digo obrigado. Sou um santo, um peregrino dos desertos, buscando pela cura que me fará cego. Ela me acena do outro lado da janela de um ônibus, e beija o vidro com o batom vermelho. Uma miragem do deserto. Ou mais um amor perdido. As coisas no deserto são vivas e coloridas. Preste atenção e você irá ouvir a voz sussurrando palavras proibidas no seu ouvido. As mulheres perambulam pela perfeição como aparições feridas. Elas tiram o sentido da lucidez e fazem da loucura a única razão. Governam a loucura do topo de patamares inconseqüentes. E todos se tornam moribundos com as palavras que ela destila.

Pergunto o seu nome
e o escrevo no meu poema sem nexo
Sharon
a deusa de Hollywood
Sharon
não Stone
Tate.

pois fadas
e mulheres
não morrem
apenas cruzam as esquinas. Como perfeitas deusas do pecado.

Ou poetisas das mentiras, portando beijos ao invés de canetas. Eu conto os anseios e decoro os contornos das suas pernas. E crio imagens para o dia de amanhã.

Musas das canções Heavy Metal. Os caras babam por onde elas passam e a morte encolhe o rabo entre as pernas, elas riem de todos nós. E nós rimos uns dos outros. Estamos perdidos e cegos.

A garota me dá as costas
e sorri
um sorriso falso
que não posso ver
vai embora
abandonando os cotidianos

que não passam de
réplicas da morte
e
da arte.
que são nada mais
do que uma mancha de batom
e um número telefônico
rabiscado
na palma da minha mão.


Obs: este texto é de Daniel Frazão, extraído do site dele, http://www.beatbblearg.hpg.com.br/

3 comentários:

Unknown disse...

Oi Márcia,
Não consigo acessar o site do Daniel. Dá erro!
A propósito, ele escreve lindamente como vc.
beijos

Mauro Frazão disse...

Pô adorei, está ótimo.

Unknown disse...

Márcia,
Adorei o recadinho no meu blog. Thanks!
Eu consegui entrar no site do Dani. Maravilha!
beijinhos

Chet

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