sábado, 22 de março de 2008

Sábado de Aleluia

Quando nasceu, o pai negou-lhe a paternidade e recusou-se a ver o seu rosto. "Filho de maldade que não vale a pena, pequena como vida pequena e morte mais pequena que um dia haverá de ter", vaticinou o Demo entre as labaredas dos quintos do inferno, arremessando-o à Terra.
Brotou dela como as larvas e os vermes, outonando o ar com um cheiro insuportável de enxofre. Guri fétido, feio como o desespero dos suicidas, gorduroso como as banhas dos rufiões, ardiloso como a lábia dos escroques, traiçoeiro como as assombrações. Mescla de larva e demônio, foi renegado por um outro pai e refogado em óleo fervente para morrer de uma vez. Mas, maldade pequena, mesquinhez pequena, por ruindade obscena não morre e teima em viver só pra rançar o mundo.
O pai, que não era o pai verdadeiro, pois ruindade pequena carece de autenticidade e cai como luva na fôrma das falsificações, mostrou-lhe a porta da rua e benzeu-se três vezes quando ele saiu.
A mãe, que não era a verdadeira, pois ruindade pequena não há útero que segure, implorou a Deus que desse ao menino um tico qualquer de humanidade. Deus benzeu-se três vezes e fingiu não escutar o pedido. Fechou os olhos e tapou os ouvidos, feliz por não ter mexido naquela massa...podre...fétida...catinguenta.
Sem pai nem mãe, verdadeiros ou falsificados, a ruindade pequena pensou-se humano e mesclou-se entre os homens, como se fosse um deles. Pequeno - demasiadamente pequeno - foi se fazendo entre roubos, vilanias, engodos e dissimulações . Encheu os bolsos de dinheiro, estufou a pança do poder e pisou todo aquele que se metesse no seu caminho com a sola da pequenez de sua maldade pequena. E era tão pequena aquela alma pequena que por vontade ainda mais pequena, casou-se.
Sem falo verdadeiro ou falsificado, eunuco como os vermes que um dia hão de comê-lo, apequenou a mulher e fingiu ter filhos. Mas, você sabe, fingimento pequeno se descobre à distância, de modo que não convenceu como pai.
Sem a luxúria enorme do pai verdadeiro que recusou-lhe veracidade, sobrou-lhe somente o arremedo de um galã decadente a seduzir as filhas. E de tão mal e pequeno ator que era, transformou uma peça grega em número de bas-fond de quinta categoria. E de tão pequeno desempenho dramático, não mereceu nem vaias.
A mulher, apequenada na pequenice de um casamento menor que a aliança do dedo anular, de joelhos anulou-se perante a tevê e o altar de santos. Em volume máximo e tomada por interferências onde não mais se distinguia a imagem, horizontou-se sem horizontes e acabou morrendo. Morte injusta, injustíssima!
O filho do Tinhoso (que por sinal sempre deixou bem claro não ser seu pai) foi envelhecendo e apequenando cada vez mais a maldade, até tornar-se um velho com cara e movimento de velho. "Velho safado", Deus dizia, quando o via sem querer. "Desgosto do mal", o Diabo repetia, quando ouvia coisas que dele se dizia.
E assim, rejeitado por Deus e pelo Diabo, criou-se um impasse: depois de morto, quem o receberia? A Morte, por vocação solitária ou por profunda aversão aos medíocres, recusou-se a acolhê-lo. "Que pene pela eternidade e permaneça vivo, decompondo os ossos e a carne. Que se coma sozinho e se engula como ameba!", vaticinou a Morte, virando-lhe as costas.
E assim foi feito. Sem lugar nem pai que o acolhesse, o danado ficou a vagar pela Terra, amargando os homens. Com cara e movimento de velho hoje se dedica aos crimes que sempre cometeu. Estúpido e tolo a vangloriar-se da vida eterna de uma morte que teima em não se enterrar.

Um comentário:

Andréa Caselli disse...

Leio Márcia Frazão desde pequenininha...hehehe. Muito bom o formato e as cores do blog...as novas imagens são inspiradoras...muito melhor que o antigo site do IG.
Abraços e mil luas )o(.
Andréa Caselli ou http://mermelusina.blogspot.com/

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