
Não contente com tal anunciação, Deus vestiu uma camisa listrada e saiu por aí a jogar confete e serpentina nas meninas. De vez em quando, cansado do sexo dos meninos, vestia os balangandãs e as rendas da baiana, só pra ver o que é que a baiana tem. E foi numa hora de troca-troca de fantasia que Deus me deu uma segunda revelação: Ele é menino e menina.
Eu, do alto do pensamento tomista, vi os primeiros tomos despencarem da estante quando O flagrei mergulhado num copo de cerveja e com a boca (e que boca!) lambusada do azeite que escorria de um pastel de carne. Naquela hora não deu para recorrer aos compêndios da escolástica, não deu para pedir socorro a Agostinho (que a essa altura se confessava no colo de uma passista da Mangueira), não deu para encontrar Maria nem Gabriel. A Virgem tinha saído cedo de casa, levando o menino Jesus - uma gracinha de criança, fantasiada de índio- para ver a banda passar, e Gabriel andava sumido, enfiado sabe-se lá onde, desde a noite de sexta-feira...
Além de abandonada pelos santos, me vi sem pai nem mãe quando procurei a filosofia. Ela, vexada pela afirmação do espírito e pela eliminação do corpo de Deus, se enfurnara num retiro filosófico, deixando na secretária eletrônica o aviso que só retornaria na quarta-feira de cinzas. Tive então que mirar o fato na seca, sem anestesia. E lá estava Ele, de corpo e alma, espalhado entre milhões de rostos que berravam Mamãe Eu Quero. Foi nesse instante que um jato de lança-perfume reativou o inconsciente e descobri que Deus é a apoteose do Desejo de Lacan. Deus, além de Onipresente e Oniciente, também é Inconsciente e Desejo.
Quando decifrei o quero do mamãe eu quero, me benzi três vezes, ciente de ter revelado o irrevelável. Aguardei os inquisidores com a dignidade própria dos pecadores. A espera foi longa. Além do trânsito ficar um caos no carnaval e por isso ter que dar voltas e voltas pelas ruas da cidade, a Inquisição ainda teve que dar um pulinho nos barracões das Escolas para tapar a sexualidade divina de algumas alegorias, alas e destaques.
Enquanto aguardava a chegada dos Guardiões da Fé, da Moral e dos Bons Costumes, liguei a televisão. E lá estava Ele outra vez a revelar-Se desejo na voz de Margareth Menezes, na Bahia de Caetano, João Gilberto, Dona Canô e Dorival, nas tranças de Gil e no rodopio dos abadás seguindo Ivete, Daniela, Dodô e Osmar. Lá estava Deus, do alto de um trio elétrico a revelar um outro mistério: Deus é brasileiro em sotaque, acento e desejo.
Um comentário:
A Filosofia que estudamos não foi em vão! Alimenta nossa literatura!
Postar um comentário