Portugal não me virou as costas. Eu virei as minhas para ela. Torci o nariz para os tamancos, para os lenços floridos e para o "ai Jisus" ( é Jisus mesmo) . Portugal nessa época se chamava Virgínia Ribeiro Cabral. Uma rapariga roliça que viera lá dos confins de Mangualde e tinha a estranha mania de adocicar os ovos. Aliás, os adocicava de tal maneira que eles nevavam açúcar e fiavam linhas dulcíssimas. Mas eu, com esta insana mania de dietas, torci o meu nariz e Portugal foi se cristalizando dentro dos vidros que Virgínia guardava na dispensa. O açúcar virou pedra e depois de muitos anos, sabe-se lá por qual mistério, aguou-se . Se fez uma água doce que morria de saudade do lençol de sal que cobre o bacalhau. Mas Portugal ( talvez influenciado por Freud ) entendia os mecanismos que me faziam torcer o nariz para o Vira, e todo dia procurava novas formas de me agradar. Tricotou meias, cozinhou legumes e verduras com paio, pediu a Fátima que me protegesse.
Quando debutei, Virgínia me deu as safiras que um dia uma ancestral as usara na corte. Achei o presente tosco, fora de moda, e brilhei os meus olhos para a calça Lee que alguém me dera. Portugal ficou lá encolhidinha numa cadeira, enquanto eu rebolava ao som de Elvis. Não ficou zangada. Entendeu e, no fim da festa, me deu um beijo e disse "Que Jisus te abençoe!". Depois foi embora, deixando no salão um aroma de rosmarino e alfazema... Portugal morreu sem que eu pudesse lhe dizer que a amava. Partiu em silêncio ( ninguém lembrou de velá-la ao som de Amália), num dia que já nem me lembro...
Quando debutei, Virgínia me deu as safiras que um dia uma ancestral as usara na corte. Achei o presente tosco, fora de moda, e brilhei os meus olhos para a calça Lee que alguém me dera. Portugal ficou lá encolhidinha numa cadeira, enquanto eu rebolava ao som de Elvis. Não ficou zangada. Entendeu e, no fim da festa, me deu um beijo e disse "Que Jisus te abençoe!". Depois foi embora, deixando no salão um aroma de rosmarino e alfazema... Portugal morreu sem que eu pudesse lhe dizer que a amava. Partiu em silêncio ( ninguém lembrou de velá-la ao som de Amália), num dia que já nem me lembro...
Um comentário:
Há sempre tempo e ainda bem que há. Gostei ou amei como vocês dizem esta descrição de um português visto por um brasileiro.
é gozado quão pouco, apesar de tudo, nos conhecemos. Cá, como deve haver aí portugueses, temos muitos brasileiros. Já consigo perceber perfeitamente algumas diferenças fundamentais de uns para outros consoante são so sertão, do rio, etc enfim, não tenho a certeza da designação certa, mas percebo que ouvem músicas diferentes e coisas parecidas, mas na verdade só quando convivemos diariamente com uma pessoa conseguimos depois ir mais além.
gostei da sua narrativa, tão bem escrita.
gostei também do blog, vou voltar
boa semana
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