Vita dizia que "os rios correm entre as pernas das mulheres". Levei muito tempo para compreender suas palavras, até que vi o Douro fluir entre as pernas de Dona Carolina, uma portuguesa que vendia frutas na feira e morava na mesma vila de Olinda.
Carolina não vivia na janela, e seus olhos não eram triste; eram velhos. Carregava a ancestralidade lusitana dentro de uma sacola cheia de frutas e legumes que trazia para casa ao final da feira. Voltava cansada, com os pés ardendo e os lábios cansados de sorrir para as freguesas. Talvez por isso não sorrisse à noite. Sorria de dia, e isso bastava. "De noite, só o sono", ela dizia. Dizia e roncava. Dormia em meio às conversas, talvez por cansaço ou porque as pessoas lhe causavam tédio. Nesses intervalos roncava "como um porco", as pessoas comentavam. E no disse-me-disse que a cercava espalhou-se a notícia de que ela não usava calcinha. Dona Carolina não usava calças!
Da noite para o dia, os roncos, o dente de ouro, a viuvez "suspeita", a adulteração da balança que pesava as frutas foram simplesmente esquecidos. A calcinha, ou sua falta, tornou-se o principal falatório da vila. Não se aventava mais a hipótese de cianuretos, mamonas, comigo-ninguém-pode, chumbinho de rato e uma lista infindável de venenos, como prováveis causas da morte de seu finado marido. Não, se Carolina era uma exímia conhecedora de venenos, isso não indicava nada: "O homem morreu de morte morrida." Depressa arquivaram a "investigação" para melhor concentração no verdadeiro crime, digno das manchetes dos melhores jornais : ANCIÃ NÃO USA CALCINHA!
Por muitos anos, o crime foi motivo de uma investigação (e falatório) apurada, e dona Carolina transformou-se na principal atração do morro de São Carlos. Deixou de ser a portuguesa das frutas para ser a portuguesa sem calcinhas. Carolina não ligou para o disse-me-disse e continuou vendendo frutas na feira, sorrindo para as freguesas e ouvindo seus fados aos sábados. E foi justamente num sábado que, por mero acaso, desvendei o crime quando a vi sentada na escada de entrada da casa. Perdida na saudade da Lusitânia (ou do finado marido), Carolina esquecera-se de ajeitar a saia e lá estava a prova que o morro inteiro procurava: tufos de algas brancas emaranhados na correnteza do Rio Douro! Naquele dia absolveram Carolina. Chegaram ao veredicto de que os rios não usam calcinhas!
obs: este texto foi extraído do meu livro "Amor se Faz na Cozinha", editado pela Bertrand Brasil.
Carolina não vivia na janela, e seus olhos não eram triste; eram velhos. Carregava a ancestralidade lusitana dentro de uma sacola cheia de frutas e legumes que trazia para casa ao final da feira. Voltava cansada, com os pés ardendo e os lábios cansados de sorrir para as freguesas. Talvez por isso não sorrisse à noite. Sorria de dia, e isso bastava. "De noite, só o sono", ela dizia. Dizia e roncava. Dormia em meio às conversas, talvez por cansaço ou porque as pessoas lhe causavam tédio. Nesses intervalos roncava "como um porco", as pessoas comentavam. E no disse-me-disse que a cercava espalhou-se a notícia de que ela não usava calcinha. Dona Carolina não usava calças!
Da noite para o dia, os roncos, o dente de ouro, a viuvez "suspeita", a adulteração da balança que pesava as frutas foram simplesmente esquecidos. A calcinha, ou sua falta, tornou-se o principal falatório da vila. Não se aventava mais a hipótese de cianuretos, mamonas, comigo-ninguém-pode, chumbinho de rato e uma lista infindável de venenos, como prováveis causas da morte de seu finado marido. Não, se Carolina era uma exímia conhecedora de venenos, isso não indicava nada: "O homem morreu de morte morrida." Depressa arquivaram a "investigação" para melhor concentração no verdadeiro crime, digno das manchetes dos melhores jornais : ANCIÃ NÃO USA CALCINHA!
Por muitos anos, o crime foi motivo de uma investigação (e falatório) apurada, e dona Carolina transformou-se na principal atração do morro de São Carlos. Deixou de ser a portuguesa das frutas para ser a portuguesa sem calcinhas. Carolina não ligou para o disse-me-disse e continuou vendendo frutas na feira, sorrindo para as freguesas e ouvindo seus fados aos sábados. E foi justamente num sábado que, por mero acaso, desvendei o crime quando a vi sentada na escada de entrada da casa. Perdida na saudade da Lusitânia (ou do finado marido), Carolina esquecera-se de ajeitar a saia e lá estava a prova que o morro inteiro procurava: tufos de algas brancas emaranhados na correnteza do Rio Douro! Naquele dia absolveram Carolina. Chegaram ao veredicto de que os rios não usam calcinhas!
obs: este texto foi extraído do meu livro "Amor se Faz na Cozinha", editado pela Bertrand Brasil.
2 comentários:
Só passei aqui pra dizer que seu blog está lindo... E você idem.
Queria agradecer pelos textos que me envia, são fantásticos, salvo todos. Bjks da sua prima Fernanda Lima.
Bjs
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