Foi por puro acaso que Amora descobriu seus dons para o amor. À época ainda era verde, sem suco, sem coloração perfeita, mas já exibia as protuberâncias arredondadas que provocam água na boca dos meninos. Sem suco e sem o vermelho que tatua nódoas no corpo e no coração dos amantes, se valeu do perfume e da maciez da casca. Seduziu o menino que sentava na terceira fileira da sala, exatamente na segunda carteira à direita. No ângulo certo da visão do seu redondo joelho.
Não sei se pelo perfume ou pelas curvas carnudas de um círculo que se estendia em coxa, Amora seduziu o seu primeiro amor. “Sedução geométrica”, disseram as amigas enciumadas. “Primeiro fruto!”, exultou a avó enquanto podava e preparava a terra de um enorme pé de amora que se enroscava na cerca do jardim.
Talvez pelos espinhos ou pelos galhos que de tão enroscados sufocavam a cerca, o amor de Amora não durou muito tempo. Terminou por desavença geométrica e deslocamento físico: estendido numa reta que não se encaixava no círculo do seu joelho, o menino simplesmente mudou-se para uma outra cidade. O rompimento causou dores, mas não abalou o perfume nem as curvas da fruta e Amora permaneceu disponível em seu galho. Podada e aguada nas luas certas, em pouco tempo descobriu-se madura, suculenta, pronta para ser colhida.
Seguindo a lógica quântica da natureza, Amora se fez verde, de vez e madura por infinitas vezes. Foi colhida por mãos que se perderam em suas protuberâncias curvilíneas e derramou líquidos em bocas que suspiravam em prazer.
Depois de muitas luas descobriu o seu próprio segredo e resolveu revelá-lo: abriu uma pequena loja especializada em amoras. E lá, entre geléias, tortas, balas, bombons, licores e amoras frescas, Amora revelou-se perita em amores... O endereço da loja? Ah, esse fica por conta da geometria das mulheres.
6 comentários:
Fui conhecer o blog do teu filho... Também sou mãe e meu filho também escreve. http://mundiota.blogspot.com/
Adorei os dois> o seu blog e o dele. Voltarei
abraço
Angel
Adorei este blog!
Adoro a metáfora e a ironia de seus textos...acompanho sempre seu blog e livros.
Começei a gostar de leitura lendo suas mágicas escritas e mitologias,vivo dentro de cada história,como é gostoso viajar em seu blog e em seus livros.
Lindo texto, Márcia. Fiquei comovida!!! Só vc mesmo para escrever uma coisa tão delicadamente sensdual. Bjs, Angela
Estranhamente , desde sempre sinto a figura de uma tia encantadora, com seu avental repleto de ervas e sabores , sempre esteve presente...em meus mais tenros anos , quando o mundo submergia em verdes tardes e enfim agora , quando o mundo me aprisiona nessa condenada sociedade.
E assim acompanhou me em meus primeiros amores, em meus primeiros trabalhos, sempre presente; e quando a situação por algum motivo desconhecido ou não assombrava-me com os suspiros gélidos da desgraça procurava a velha companheira e numca seus encantos me faltaram ...
Assim me sinto em relação a marcia frazão , uma tia velha.. que sempre esteve presente e com o passar dos anos me ensinou a amar meus mortos e honrar a minha terra,, bençãos ...
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