E ali, entre a primeira baforada e o sopro reticente de Chet, Ele folheou a primeira página. O livro não era em latim. "Como? Que raio de língua é essa?" Deus se perguntou, já desconfiado de que o tempo que havia criado lhe passara a perna. O tempo correra e o Altíssimo ficara para trás, acreditando que a onipresença e a oniciência estavam para além das transformações da linguagem. Se Ele tivesse dado ouvidos a Crocce, ou a São Tomas de Aquino ou se tivesse lido Crátilo, de seu amigo Platão, com mais atenção, decerto não estaria pagando tal mico. Mas você sabe, Deus é Deus e nem o Diabo o convence do contrário.
Não sei se por desconsolo da idade ou se por carência afetiva que nenhuma Santíssima supriria, Deus chorou como um bebê. Esqueceu que era Deus e caiu no melodrama. "Não posso morrer sem ler Henry Miller...", o Diviníssimo choramingou com o rosto enterrado numa almofada.
Se foi um acaso da Mortíssima bater perna no lugar errado mas na hora certa ou se tudo não passou de um acordo entre Ele e ela, isso eu não sei. O que sei é que hoje, meu amigo Haroldo Netto, o melhor tradutor do mundo, foi chamado às pressas para socorrer o Altíssimo...