sábado, 28 de março de 2009

Cariocas & Ostras

Quando as primeiras palavras brotaram na minha boca, o "s" saiu aconchegado e embrulhado dentro de uma ostra; um "s" redondo e chiado como as ondas de Copacabana. A princípio não me dei conta do clausuro aquático da letra e pensei que todos nós, brasileiros, éramos filhos de Afrodite e Posídon....


O tempo foi passando dependurado no bonde que ligava a cidade ao Flamengo. Vez por outra era era cortado por um negro táxi guiado por Manuéis ou Joaquins. Táxis que se pegava no ponto e que tictactavam como relógios escondidos bem atrás do taxímetro... O Rio era então uma enorme ostra que arredondava os "s" e badalava sinos nos bondes e tictactava relógios nos taxímetros...
Nesse tempo não havia tempo para sermos violentos e inseguros. A violência não combinava com os ruídos, e vamos convir que não se pode ser inseguro dentro do aconchego das ostras. E mesmo quando o mesmo ultrapassava os trilhos dos bondes e assumia a face do improvável, mesmo assim o inesperado, por mais bizarro que fosse, travestia-se de romance. E foi assim, entre o desvio do mesmo e os travestimentos, que me deparei com a primeira violência : A Fera da Penha. Mas as ostras teimam em transformar as impurezas em pérolas, e a fera, por acaso ou sina, transformou-se em romance.
A professora feiosa, leitora de fotonovelas e romances, confundiu-se entre a piedade e o ódio. A vítima, uma menina de cachinhos negros, num piscar de olhos virou santa. Depois, ávida pelos dramas e santificações, vi Mineirinho, um bandido baixinho e simpático, vestir a roupa de Robin Hood e se juntar ao bando dos desvalidos. Sucedeu-lhe Cara de Cavalo, o centauro.
Naquela época éramos ainda amantes do belo e costumávamos nos divertir no carnaval. Costurávamos estrelas no céu e os barracões tinham tetos de estrelas. Dizíamos bom-dia aos vizinhos e desconhecidos e nunca esquecíamos os nomes dos porteiros. Éramos pérolas polidas pela polidez das virtudes. Não éramos ingênuos. Não, foi muito depois que a generosidade travestiu-se em ingenuidade. Éramos gentis e redondos como as pérolas. Tínhamos o dom de transmutar o feio e torná-lo romance. O tempo passou e pensamos que ele correu depressa demais. E começamos a correr como loucos. Esquecemos o bom-dia e os romances. Caímos na armadilha. Mas... o Rio continua lindo, esperando pelos romances. E aos pessimistas ele diz: só as pérolas conhecem o segredo da transmutação do impuro!


obs: se vc gostou do texto (tá legal, é chantagem mesmo) dá uma lidinha no meu livro, O Feitiço da Lua , publicado pela Editora Bertrand.

6 comentários:

Ana Maria Santeiro disse...

você transmuta tudo! Lindo!

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Que coisa linda marcia, você tem o dom de olhar para o mundo de uma maneira linda. Adoro seus textos.
Apareça por lá,.
beijos e uma boa semana.

Lívia Monteiro disse...

Oi oii legal achar seu blog, essa semana comprei um dos seus livros e fiquei encanta "a cozinha magica de Marcia frazãoo" e já vou realizar uns refogados mágicos...:D Ano passado eu fiz um curso de wicca e meditação e a professora aconselhou todos lerem "o feitiço da lua" assim q acabar a a cozinha mágica estarei adquirindo o feitiço da lua estou muitooo curiosaa pra ler... bjos, Paz e Luz pra ti!!

Cida Torneros disse...

Olá Márcia, seu texto Cariocas e Ostras, me traz de volta ao coração e à saudade um Rio que tem tudo a ver com a minha infância e juventude. obrigada por sua sensibilidade! beijo
Cida Torneros

Ganhando Referidos Para PTC Com Meu Pilóto Automático disse...

Olá Muito legal seu blog vim desejar uma feliz Páscoa a todos
dei uma força aqui Antonio Abraços

http://curiosidadesdoplantaterra.blogs.sapo.pt/

http://oblogdasnoticias.blogspot.com/

Carmen Regina Dias disse...

Eu daria algumas areias da ampulheta
para compartilhar alguns dos seus momentos, guria.
Mas que barbaridade...é certo que vou amar ler seus textos, claro, só tende a aumentar esse encantamento,
nem bem comecei a ler tuas coisas e me veio - é amiga da alma. Estou adorando ter te encontrado Marcia. Deixo beijus, abraços e um maço de floripôndios perfumados.

Chet

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