domingo, 20 de abril de 2008

A Visita

Anunciou sua visita sem nenhuma cerimônia. Não esperou convite e foi logo se convidando. Eu, cá do meu canto, não disse que sim nem que não: esperei que o interesse se extinguisse e aquela visita, que não foi convidada, desistisse de vir. Não dei ouvidos aos meus fantasmas aflitos a me pedirem para que eu fechasse todas as portas e as janelas, e dependurasse um cartaz no portão: CUIDADO! CÃES FEROZES! Os dias se passaram e eu já tinha quase me esquecido dela, quando ela chegou. Mas uma vez não levei em conta os sinais de mau agouro. Fingi que não vi a sombra velando o olhar do motorista do taxi que a trouxera. Tapei os ouvidos para o canto de uma coruja em pleno meio-dia. Fechei os olhos para o sol que correu a se esconder atrás de uma nuvem e para o cadáver de um sapo que o táxi atropelara bem defronte do portão. Abri a porta e deixei que a Inveja entrasse. Entrou humilde, fingindo castidade. Distribuiu presentes e sorrisos numa boca sem dentes. Olhou para todos os cantos da casa. Sentou-se na sala e quis saber coisas. Eu bem que sabia que as suas perguntas seriam comidas por um gato. Não dei importância e deixei que a Senhora Inveja comesse da minha comida e depois a vomitasse, proclamando propiedade do vômito. Lembrei de Vitalina me dizendo que "a Inveja é uma senhora sem rosto, corpo, alma, e pousada, que vaga pelo mundo roubando a face e o lar do alheio". No momento em que se despediu, vi o meu rosto refletido na sua face distorcida. A máscara apertada não lhe coubera direito. O meu sorriso não cabia na sua boca sem dentes. O meu olhar não encaixou-se nos dois buracos do seu crânio... Partiu, deixando no ar o cheiro fétido da mentira. Um aroma que de tão medonho, assustou a fumaça negra do ônibus que a levou de volta para os pântanos da perfídia.

2 comentários:

Luiz Gasparelli Jr. disse...

Márcia, adorei o texto...
Parece com a minha casa, cheia de altares também.. cada cômodo tem seus altares, suas histórias, suas lembranças...
porque se a nossa casa é o que somos, por que não ser, também, a nossa memória, ser o que carregamos de mais amável dentro de nosso coração?
Beijo,
Luiz Junior

Angela Dutra de Menezes disse...

Márcia, adorei os altares e me assustei com a inveja. Até me arrepiei. Mas seus textos e o blog estão lindos. Por isto, visito-o sempre. Bjs, Angela Dutra de Menezes

Chet

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Livrarias são janelas. Livros olham o mundo.Livrarias libertam. Livros revolucionam.

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Foi uma delícia escrevê-lo!