Quando Gregório Silva despertou numa certa manhã em que, no rádio, o chefe da nação tecia elogios a Bush, viu surgir o primeiro sinal da metamorfose: duas estúpidas anteninhas bem no alto da cabeça que o obrigaram a ir para o escritório com um gorro mais estúpido ainda. Se tivesse lido Kafka, ficaria em casa, daria uma desculpa ao chefe da repartição e não se prestaria a tal vexame. Mas como não lera e ainda por cima era só mais um brasileiro aterrado com o desemprego, preferiu pagar o mico e garantir o parco salário.
Se a pressa de chegar ao trabalho não lhe fosse prioridade máxima (os tempos eram duros e, por qualquer bobeira, o sujeito dançava), Gregório veria que as ruas estavam apinhadas de gorros. Mas o medo do desemprego o impedia até de olhar para os lados.
Assim, com os olhos voltados para uma frente que corria o risco de desaparecer a qualquer momento, Gregório foi vivendo a vida com a cabeça enfiada num estúpido gorro. Até que lá pelos meados do ano, quando o escalão maior do Estado decidia expulsões ingratas, legalizações dos transgênicos, reformas nebulosas, política nuclear e a maquiagem da lei da mordaça, surgiu o segundo sinal da metamorfose: duas asas asquerosamente cascudas que o obrigaram a tirar do armário o velho fraque do casamento e com ele ir vestido para o trabalho. Se Gregório tivesse lido Kafka, teria a certeza de que estava se transformando em barata. Mas como o seu tempo era curto para as leituras e já deixara de ser dinheiro há muito tempo, preferiu seguir a sua vidinha de dívidas e prestações, achando que as asas não passavam de um mero desvio da coluna.
Ao contrário do herói de Kafka, Gregório não podia se dar ao luxo de se trancar num quarto e virar barata. O antigo chefe já havia dançado e entrara no seu lugar a esposa de um vereador, amigo do diretor. E foi exatamente a nomeação da mulher que provocou mais uma etapa da sua metamorfose: duas patas cabeludas substituíram os seus braços. Como havia sido transferido do almoxarifado (a nova chefe, num acesso de faxinice aguda, eliminara todo o estoque de medicamentos), Gregório logo se adaptou às patas.
Acostumado com a naturalidade brasileira das adaptações, Gregório foi seguindo a vida aos trancos e barrancos. Às vezes, chegava até a agradecer a metamorfose. Sem precisar gastar dinheiro com nenhuma cirurgia, seu estômago encolhera e a falta de alimento na geladeira já não o assustava mais. O gorro estúpido já não lhe causava constrangimento, pois da noite para o dia virara moda.
Mas como adaptação de classe média dura pouco, um dia , ao ver na TV o congresso reunido por uma convocação extra que custou ao país os olhos da cara, Gregório se viu totalmente transformado em barata. Olhou para os lados e viu a mulher, os filhos e a empregada arrastando-se pelos cômodos da casa, exatamente como ele. Arrastou-se até a janela e viu a rua apinhada de insetos. E quando já começava a tecer motivos para mais uma adaptação, viu na TV uma cena dantesca: os parlamentares haviam se transformado em gigantescas latas de inseticida!
Se a pressa de chegar ao trabalho não lhe fosse prioridade máxima (os tempos eram duros e, por qualquer bobeira, o sujeito dançava), Gregório veria que as ruas estavam apinhadas de gorros. Mas o medo do desemprego o impedia até de olhar para os lados.
Assim, com os olhos voltados para uma frente que corria o risco de desaparecer a qualquer momento, Gregório foi vivendo a vida com a cabeça enfiada num estúpido gorro. Até que lá pelos meados do ano, quando o escalão maior do Estado decidia expulsões ingratas, legalizações dos transgênicos, reformas nebulosas, política nuclear e a maquiagem da lei da mordaça, surgiu o segundo sinal da metamorfose: duas asas asquerosamente cascudas que o obrigaram a tirar do armário o velho fraque do casamento e com ele ir vestido para o trabalho. Se Gregório tivesse lido Kafka, teria a certeza de que estava se transformando em barata. Mas como o seu tempo era curto para as leituras e já deixara de ser dinheiro há muito tempo, preferiu seguir a sua vidinha de dívidas e prestações, achando que as asas não passavam de um mero desvio da coluna.
Ao contrário do herói de Kafka, Gregório não podia se dar ao luxo de se trancar num quarto e virar barata. O antigo chefe já havia dançado e entrara no seu lugar a esposa de um vereador, amigo do diretor. E foi exatamente a nomeação da mulher que provocou mais uma etapa da sua metamorfose: duas patas cabeludas substituíram os seus braços. Como havia sido transferido do almoxarifado (a nova chefe, num acesso de faxinice aguda, eliminara todo o estoque de medicamentos), Gregório logo se adaptou às patas.
Acostumado com a naturalidade brasileira das adaptações, Gregório foi seguindo a vida aos trancos e barrancos. Às vezes, chegava até a agradecer a metamorfose. Sem precisar gastar dinheiro com nenhuma cirurgia, seu estômago encolhera e a falta de alimento na geladeira já não o assustava mais. O gorro estúpido já não lhe causava constrangimento, pois da noite para o dia virara moda.
Mas como adaptação de classe média dura pouco, um dia , ao ver na TV o congresso reunido por uma convocação extra que custou ao país os olhos da cara, Gregório se viu totalmente transformado em barata. Olhou para os lados e viu a mulher, os filhos e a empregada arrastando-se pelos cômodos da casa, exatamente como ele. Arrastou-se até a janela e viu a rua apinhada de insetos. E quando já começava a tecer motivos para mais uma adaptação, viu na TV uma cena dantesca: os parlamentares haviam se transformado em gigantescas latas de inseticida!
2 comentários:
adorei!
beijinhos,
Liz
Desculpe, gostaria de perguntar se é possivel dar-me os dados do filme da imagem que aqui está? já ando á procura à algum tempo. obrigado
Postar um comentário